domingo, 25 de janeiro de 2009

Talvez um texto sem muito sentido



Há muito o ser humano é desconfiado ou radicalmente contra, às vezes, qualquer tipo de mudança, seja de comportamento, seja de crença, seja política, seja ela de qualquer natureza. Há muito o mesmo ser humano espera por mudanças que tragam melhor desenvolvimento para os seus semelhantes, enfim, para ele próprio.
Há aqueles, entretanto, visionários, sonhadores, que dizem que os dias novos estão porvir, que a salvação cavalga cavalo alado e se apressa a descer de cima, rumo a essa terra de pecados e sonhos. Afinal, não há como sonhar sem que se peque, infelizmente. Mas convenhamos o mundo mudou e parou no tempo. Muda e pára todos os dias, várias vezes por dia, milhares e milhares por semana, milhões e bilhões de vezes a cada ano. Muda na mente de cada um, pára nas ações de cada ser. E o homem segue sua epopéia diária, minuto a minuto, sonhando, se esfacelando e sem poder reclamar que não tem chances de mudança, ou de crescimento. O medo inibiu o avanço do homem. Suas crenças, por vezes, aprisionaram-no. Ou melhor, o medo inibe as conquistas da humanidade.

A ciência quer o avanço das ideias, acelerar o pedal do desenvolvimento. Mas a religião puxa as rédeas do mulo do atraso, freia as mudanças.
Veja hoje mesmo, quantas bilhões de mudanças não ocorreram? Dizem que o cavaleiro e seu cavalo de asas está descendo, vem logo. Não vi em lugar algum a confirmação de tais eventos extraordinários. Os jornais continuam com as mesmas notícias de sempre sobre crimes, corrupção, conluios, guerras, terremotos, forças naturais agindo... A TV copia, a rádio anuncia. Mas... Elementos nocivos ao desenvolvimento da paz dirão que as novas, na verdade, são velhas. Velhos escritos em profecias sobre o tempo da grande e verdadeira mudança, oferecendo àqueles que acreditam em tais preceitos que serão como deuses, eternos e intocáveis pela ação do tempo.
No entanto, a vida continua igual, alguém sairá de casa amanhã, no primeiro dia da semana, possivelmente beijará sua esposa e a chamará de querida, cheio de esperança e será demitido assim que chegue ao emprego. Chorará e desejará matar o seu chefe? Outro aproveitará o fato de ser uma segunda-feira e abandonará a família, indo morar com uma mulher conhecida numa parada de ônibus, cheia de fumaça do churrasquinho montado ao lado. Desejará encontrar com a nova dama, a felicidade que há muito o deixou ao lado da outra? Quem sabe outro não ficará dormindo o dia todo, pois aproveitou o domingo para tomar todas? Desejará que a Terra pare, como cantou Raul Seixas.
A verdade é que não há dia, não há lugar para os demitidos, para os adúlteros, se sentirem tristes uns e libertos os outros. Quantos serão atropelados, quantos se tornarão homicidas, quantos morrerão, quantos serão punidos e quantos sequer serão descobertos? Os mais fracos dirão que tudo ocorre por uma vontade superior, esquecendo que há um livre arbítrio e que a sua vontade, se for livre, não poderá sempre ser a vontade de quem dizem ser o dono de todas as vontades. Outros protestarão e dirão, em sua defesa, que não se move uma folha sem consentimento de uma força. Assumem com certas declarações que são robôs humanóides, ou atores, manipulados pela vontade de algo. Se atores forem, quantos são os protagonistas?
De repente o que vale, a verdadeira mudança é você encorajar-se e lutar por aquilo que deseja, que sonhou há tempos idos, sem importar-se com o sentimento de ambição que alguém possa dizer que você possui. Ambição sem egoísmo não é pecado, é um simples sonho, um querer algo para você, sem necessariamente ter que tomá-lo de alguém.
Ah! Mas nessa sociedade ocidental, de tantos dogmas arcaicos enraizados nas estórias escritas há bem mais de oito mil anos, querer possuir, sonhar e conquistar é pecado. Porque, infelizmente nos ensinam que sonhar é pecado.

Alguém essa semana me disse que eu sou um pecador porquê não tenho o sonho dos visionários apocalípitcos.

Então, assim, descobri que não são todos os sonhos que são pecados. E que justamente aqueles que embrutecem certas almas, tornam suas vidas livres do julgo eterno.

sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

O meu país

No rastro da música O Meu País do grande Zé Ramalho, poeta e cantador nordestino da melhor qualidade; e também diante do que temos vivenciado na saúde potiguar (vocês entenderão o porquê), resolvi postar uma poesia que fiz num passado recente, cujo título e estilo tento copiar do inimitável Zé.

O meu país
Jesus de Miúdo.

Um país que só vive de novela
Prisioneiro da pior televisão
Um gigante que não tem educação
Quando aprende apenas por uma tela.
Que aumenta sua triste mazela
Vendo o ator ou até a linda atriz
Que aparece na cena tão feliz
E vendendo uma idéia de riqueza
Pode ser o país da boniteza
Mas não é com certeza o meu país.

Um país lá no mundo conhecido
Pelos pés que correm atrás da bola
Mas sem craque que freqüente a escola
Num exemplo fácil de ser seguido
Faz do jovem pobre e bem sofrido
Nas favelas ter sonhos infantis
Quer na bola ter nova diretriz
Nem percebe qu’é de areia esses castelos
Pode ser o país dos gols mais belos
Mas não é com certeza o meu país.

Um país que prega à mocidade
Que são grandes apenas os seus artistas
Desprezando seus sábios cientistas
Que lhe podem trazer prosperidade
Lhe servindo de exemplo e qualidade.
Um país que até hoje pouco quis
Curar esse mal e apagar a cicatriz
Traz seu povo, coitado iludido
Pode ser o país do excluído
Mas não é com certeza o meu país.

Um país que elege analfabeto
E aceita apologia à ignorância
Vai vivendo a grande discrepância
Da família ser apenas objeto
Que se vende por um vale abjeto
Uma ajuda que ao plano contradiz
De ser grande e ter a força motriz
Pra deixar de viver dessa esmola
Pode ser o país da bolsa escola
Mas não é com certeza o meu país.

Um país que abandona seus valores
Ensinando aos seus filhos outra cultura
Se entregando sem nenhuma compostura
Esquecendo os seus mais antigos amores
Desnudando seu folclore sem pudores
Transformando os seus jovens em imbecis
Que se perdem pela vida, sem raiz
Copiando o que o mundo tem de ruim
Pode até promover um Halloween
Mas não é com certeza o meu país.

Tô vendo tudo, tô vendo tudo
Mas, bico calado, faz de conta que sou mudo.

Aí, hoje criei esse aqui, que deixarei em separado dos demais acima:

Um país onde falta um simples leito
Pra o deitar de um cidadão doente
Na saúde o dirigente é bem demente
E o enfermo é tratado sem respeito.
Um país que parece não ter jeito
Onde a maca é para doze, assim se diz
Nos corredores, são mil vidas por um triz
Sem remédio que sare um arranhão
Pode ser o país de um Temporão
Mas não é com certeza o meu país

Tô vendo tudo, tô vendo tudo
Mas, bico calado, faz de conta que sou mudo.

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

De conversa no ônibus

Na linha 66, da Cidade da Esperança indo para Ponta Negra, ouvi um diálogo um tanto quanto interessante. Fui me sentar logo atrás de dois senhores, ambos aparentando meia idade.
O da minha direita levava na cabeça um boné daqueles de aposentado, que se achata na frente, preso por um botão, branco, mas encardido e bastante roto na parte de trás, trajava uma camiseta sem mangas, mostrando uma cor que há muito tempo atrás deve ter sido uma amarelo tipo losango da bandeira nacional.
O outro senhor, aparentando ser mais velho, tinha a cabeça totalmente careca, cheia de manchas sardentas, pele largando aqui e ali, como se tivesse tomado muito sol. Usava uma camiseta branca com o nome Bradesco pintado na frente e nas costas.
- Zé, eu tava pensando aqui, o brasileiro é um filha da puta mesmo, sabia?

Bom, o dever me chamou, conto outra hora. Fui!

Perguntar não adoece ninguém

Você teria coragem de inventar de adoecer na capital potiguar? Teria???!!!
É doido!

Hômi, por aqui tá mais difícil de se achar um médico, do que o Tesouro de Bresa.

Já estão até dizendo que a "professora" vai fazer curso de enfermagem.

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

Frase das frases

"O cabra pra ser doido em Caicó, tem que ter muito juízo!"

Ferrolho

domingo, 18 de janeiro de 2009

Enquanto isso, na sala do hospital maternidade

Amanhecendo o domingo e a cidade acorda com as novas herdadas das festas e embalos de sábado à noite, regadas a muita cachaça, cerveja e outras drogas mais pesadas. Pois é, minha gente, Acari está no mapa, basta usar a lupa que se enxerga o pontinho quase invisível. E, assim, os caras despacham por aqui também. Noite de sábado por essas bandas do Seridó, dizem, tem de tudo. Menos música de qualidade. O de tudo eu não sei, já da música é a mais pura realidade.
As mulheres beatas seguem para a igrejinha matriz e vão sabendo por aquelas mulheres menos praticantes, vassouras na mão, calçadas limpinhas, das novas notícias da cidade. Novas herdadas, como eu já falei, dos embalos de sábado à noite.
Souberam que a mulher de Fulano de Tal, irmão de Cicrano e primo de Beltrano, virou a mesa com tudo que tinha em cima, na roupa da sirigaita avoada que estava com ele, lá na seresta do bar de seu Euzébi (quase ninguém diz o nome dele completo). Não tem mulher, beata ou não praticante, que não vibre com uma estória dessas. Bem feito, dizem todas. Quem mandou ser enxerida? Pergunta complementar.
Bom, outra dá conta que o filho de seu Zé Num Sei o Quê Lá, e de dona Maria Num Sei de Quê Lá (se são casados tinham que ter o mesmo sobrenome, né?), tomou uma cachaça tão grande que aterrisou entre a parede do Cemitério e o muro da antiga TELERN. Não se sabe quem, mas alguém se aproveitou do pobre diabo, que tendo acordado com as calças arriadas, todo ardido, além de todo obrado - como dizem por aqui -teve que ir ao hospital costurar o que lhe rasgaram. Ô desgosto e vergonha danada! Ninguém sabe se debaixo ainda do efeito do álcool, ou sob a quentura que a anestesia exercia sobre as pregas rasgadas do fresado em reconstrução, disse que nunca mais bebe na vida. Agora é saber se chorou em algum momento. Se chorou, ainda bebe. Pois dizem que quem chora bêbado não abandona nunca mais o vício. Também ninguém sabe se gostou, uma vez que parece nem ter sentido. Mas se sentiu e permitiu, é porque gostou e está só fazendo charme. Êita, situação danada!
A sabedoria popular já diz e o poeta, com nome de salvador crucificado, usou no mote para fazer o versinho sacana com o filho de seu Zé Num Sei o Quê Lá, e de dona Maria Num Sei de Quê Lá, único filho homem do casal.

PEGARAM O POBRE PRA CÃO
DEPOIS DELE EMBRIAGADO
FIZERAM DELE VIADO
ACHO QU’ ELE TOMOU A LIÇÃO
POIS ACORDOU DE ROUPA NA MÃO
TODO CAGADO, SENTADO NO TRONO
E NO MAIS COMPLETO ABANDONO
COM AS PARTES DE BAIXO ARDENDO
QUE TODOS FIQUEM SABENDO
CÚ DE BEBO NÃO TEM DONO.

"Covardia da pôrra", diria meu amigo Rodrigo GDC. Não sei se diria do ato, ou do versinho.

... de um povo masoquista.

Às vezes me arrisco nessa coisa de poesia, mas não gosto de publicar esse tipo de trabalho por achar que o poeta retira toda a sua carne e se mostra, não nu, apenas em espírito e alma. Muitas vezes fui mal interpretado quando mostrei algumas letras juntas em poema.
E nesse caminho que pouco me arrisco em seguir, mas quando resolvo ir, entrego-me em caminhar com obstinação, já fui até declamado por Adélia Maria Woelner (quer saber quem é ela? Consulte o Google) e só depois de muito tempo fiquei sabendo que fui foco de tão grande honra. E como se as minhas letras recebendo a atenção de uma Adélia Woelner já não bastasse, ainda foram elogiadas!
Para que uma possível curiosidade sobre a coisa seja logo respondida e anulada, vou contar essa história no www.acaridomeuamor.nafoto.net qualquer dia desses. Mas Heraldo Palmeira conhece ela, a história, bem direitinho. Afinal foi ele quem descobriu tudo. Uma coincidência fascinante.
Bom, mas vou quebrar um pouco a vergonha, de mostrar essas minhas composições, e deixar aqui aquela que Adélia Maria recitou. Está abaixo, em azul para melhor destaque:

... de um povo masoquista.
(Balada de Um Soberano Sádico)

Sonhei que estava em terras estranhas
Onde ninguém para mim, era um conhecido
E se eu quisesse passear por lá, desapercebido
Bastava-me andar livre por suas entranhas.
Nesse meu sonho fui de encontro às pessoas
Cujo infortúnio se via em seus lúgubres aspectos
Eram como se fossem, não homens, apenas espectros
Mesmo tendo em suas faces, expressões mui boas.
A subserviência ali se tinha por herança
E a penúria, há muito tempo era sua riqueza
Enquanto apenas ele, se dizia na pseudo presteza
De servir-lhes sempre, exigindo confiança.
Um povo bruto, tolo, doente e aprisionado
Obrigado a sorrir como se tudo fosse bem
Sendo escravo sem saber sequer de quem
E de ser grato, mesmo quando humilhado.
Por fora limpos, por dentro sujos e maltrapilhos
Encurvados à força por tamanhas opressões
Proibidos a dar falas às mais simples emoções
Sem futuro pra si, tampouco para os seus filhos.
E nesse sonho eu andava por labirintos... ruas,
E via a moral sobre arrimos de excremento
Um povo preso até no pensamento
Cabeças néscias, e barrigas nuas.
Apiedando-me, não me contendo, gritei
À massa pobre, ali tão pressionada
Mas em resposta vi a sua fugaz retirada
Corriam loucos, como jamais pensei.
Apenas um ficou, fitando-me com tenacidade
A mim, exortando a que eu fosse embora
Não insurgiriam contra ele, nunca! Nem naquela hora
Afinal haviam esquecido o que era liberdade.
Foi-se, juntando aos outros em procissão
Em cujo andor, ele ia adornado
Aquele povo por anos subjugado
Não se lembrava, alegre e rindo, da sua escravidão.
E como um trovão, que ao raio encerra
Olhei de novo e minhas idéias, logo, se clarearam
E dos meus olhos quatro lágrimas rolaram
Pois reconheci ali a minha própria terra.

Escrevi isso numa tarde quente de agosto de 2004. Lembro como se tivesse acabado de escrever, ou se ainda estivesse criando, como as letras íam saltando de minha mente para o teclado do computador.

PS.: Qualquer falta de tempo, acessem http://www.protexto.com.br/autor.php?cod_autor=35

E já dizia Tostoi:

"Só seremos universais se conhecermos e amarmos nossa aldeia."

Esse também sabia das coisas.

Já cantava o poeta Geraldo Amâncio

O mundo se encontra bastante avançado
A ciência alcança progressos em soma.
Na grande pesquisa que fez o genoma,
Todo o corpo humano já foi mapeado.
No mapeamento foi tudo contado:
Oitenta mil genes se pode contar.
A ciência faz chover e faz molhar,
Faz clone de ovelha, faz cópia completa
Duvido a ciência fazer um poeta
Cantando galope na beira do mar.

E já dizia um tal de Albert Einstein:
"A ciência sem a religião é paralítica; a religião sem a ciência é cega."

Ô povo pra dizer coisa certa...

O Tesouro de Bresa

Foi do livro Contos e lendas orientais, escrito pelo paraense Júlio Cesar de Mello e Souza, que assinava as seus trabalhos literários como Malba Tahan, autor d'O Homem que calculava, sua obra mais famosa entre outras magníficas criações, e de quem sou fã inconste com vários livros em minha humilde estante, que li ainda muito jovem a estória do Tesouro de Bresa. Naquele momento de minha vida eu não soube decifrar o valioso tesouro que havia inserido no cerne da narrativa.
Ontem à noite em bate papo virtual com Doutor Luciano Mello, ele me disse que enviaria para mim, naquele mesmo instante, um e-mail sabendo que eu iria gostar. Depois de tantos anos, nem sei quantos, reli a mesma estória, narrada numa apresentação de PPS de forma bem resumida, mas que enfatizava com mais determinação a importância da busca por conhecimentos, aconselhando de forma sábia - como não poderia deixar de ser.
Eis a história, para leitura, em letras azuis para melhor destaque:
O Alfaiate e o Tesouro de Bresa

Conta-se que houve, outrora, na Babilônia - a famosa cidade dos Jardins Suspensos - um pobre e modesto Alfaiate, chamado Enedim. Homem inteligente e trabalhador, que, por suas boas qualidades e amor no coração, era muito querido no bairro em que morava. Enedim passava o dia inteiro, de manhã à noite, cortando, costurando e preparando as roupas de seus numerosos fregueses, e, embora, muito pobre, não perdia a esperança de vir a ser muito rico, senhor de muitos Palácios e grandes tesouros.
Como conquistar, porém, essa tão ambicionada riqueza? - pensava o mísero alfaiate, passando e repassando a agulha grossa de seu ofício - Como descobrir um desses famosos tesouros que se acham escondidos na terra ou perdidos nas profundezas do mar? Ouvira contar, em palestra com estrangeiros vindos do Egito, da Síria e da Grécia, histórias prodigiosas de aventureiros que haviam topado com cavernas imensas, cheias de ouro... Grutas profundas crivadas de brilhantes... Caixas pesadíssimas a transbordar de pérolas. E não poderia ele, à semelhança desses aventureiros felizes, descobrir um tesouro fabuloso e tornar-se, assim, de um momento para o outro, o homem mais rico daquelas terras? Ah! Se tal coisa acontecesse, ele seria, então, senhor de um imenso e magnífico palácio... Teria numerosos escravos e, todas as tardes, num grande carro de ouro, tirado por mansos leões, passearia, de seu vagar, sobre as muralhas da Babilônia, cortejando amistosamente os Príncipes ilustres da casa Real.
Assim meditava o bondoso Enedim, divagando por tão longínquas riquezas, quando lhe parou à porta da casa um velho mercador da Grécia, que vendia tapetes, imagens, pedras coloridas e uma infinidade de outros objetos extravagantes tão apreciados pelos Babilônios. Por mera curiosidade, começou Enedim a examinar as bugigangas que o vendedor lhe oferecia, quando descobriu, entre elas, uma espécie de livro de muitas folhas, onde se viam caracteres estranhos e desconhecidos. Era uma preciosidade aquele livro, afirmava o mercador, passando as mãos ásperas pelas barbas que lhe caiam sobre o peito, e custava apenas três dinares. Três dinares. Era muito dinheiro para o pobre alfaiate. Para possuir um objeto tão curioso e raro, Enedim seria capaz de gastar até os dois últimos dinares que possuía.
- Está bem - concordou o mercador - fica-lhe o livro por dois dinares, mas esteja certo de que lhe foi de graça!
Afastou-se o vendedor e Enedim tratou, sem demora, de examinar cuidadosamente a preciosidade que havia adquirido. Qual não foi a sua surpresa quando conseguiu decifrar, na primeira página, a seguinte legenda, escrita em complicados caracteres caldaicos: "O segredo do tesouro de Bresa". Por Deus! Aquele livro maravilhoso, cheio de mistério, ensinava, com certeza, onde se encontrava algum tesouro fabuloso! O TESOURO DE BRESA! Mas, que tesouro seria esse? Enedim recordava-se vagamente, de já ter ouvido qualquer referência a ele. Mas quando? Onde? E com o coração a bater descompassadamente, decifrou ainda: "O tesouro de Bresa, enterrado pelo gênio do mesmo nome entre as montanhas do Harbatol, foi ali esquecido, e ali se acha ainda, até que algum homem esforçado venha a encontrá-lo".
Harbatol? Que montanhas seriam essas que encerravam todo o ouro fabuloso de um gênio? E o esforçado alfaiate, dispôs-se a decifrar todas as páginas daquele livro, e ver se atinava, custasse o que custasse, com o segredo de Bresa, para apoderar-se do tesouro imenso que o capricho de seu possuidor fizera enterrar nalguma gruta perdida entre as montanhas. As primeiras páginas eram escritas em caracteres de vários povos. Enedim foi obrigado a estudar os hieróglifos egípcios, a língua dos gregos, os dialetos persas, o complicado idioma dos judeus.
Ao fim de três anos, deixava Enedim a antiga profissão de alfaiate, e passava a ser o intérprete do Rei, pois na cidade não havia quem soubesse tantos idiomas estrangeiros. O cargo de intérprete do Rei era bem rendoso. Ganhava Enedim, cem dinares por dia; ademais morava numa grande casa, tinha muitos criados e todos os nobres da corte o saudavam respeitosamente.
Não desistiu, porém, o esforçado Enedim, de descobrir o grande mistério de Bresa. Continuando a ler o livro encantado, encontrou várias páginas cheias de cálculos, números e figuras. E, a fim de ir compreendendo o que lia, foi obrigado a estudar Matemática com calculistas da cidade, tornando-se, ao cabo de pouco tempo, grande conhecedor das complicadas transformações aritméticas. Graças a esses novos conhecimentos adquiridos, pode Enedim calcular, desenhar e construir uma grande ponte sobre o Eufrates; esse trabalho agradou tanto ao Rei, que o monarca resolveu nomear Enedim para exercer o cargo de Prefeito. O amigo e humilde alfaiate passava, assim, a ser um dos homens mais notáveis da cidade. Ativo e sempre empenhado em desvendar o segredo do tal livro, foi compelido a estudar profundamente as leis, os princípios religiosos de seu país e os do povo caldeu; com o auxilio desses novos conhecimentos, conseguiu Enedim dirimir uma velha pendência entre os doutores.
- É um grande homem o Enedim! - declarou o Rei quando soube do fato - Vou nomeá-lo Primeiro Ministro. E assim fez. Foi o nosso esforçado herói, ocupar o elevado cargo de Primeiro Ministro.
Vivia, então, num suntuoso palácio, perto do jardim Real, tinha muitos criados e recebia visitas dos príncipes mais poderosos do mundo. Graças ao trabalho e ao grande saber de Enedim, o reino progrediu rapidamente e a cidade ficou repleta de estrangeiros; ergueram-se grandes palácios, várias estradas se construíram para ligar Babilônia às cidades vizinhas. Enedim era o homem mais notável do seu tempo. Ganhava diariamente mais de mil moedas de ouro, e tinha em seu palácio de mármore e pedrarias, caixas cheias de jóias riquíssimas, e de pérolas de valor incalculável. Mas - coisa interessante! - Enedim não conhecia ainda o segredo do livro de Bresa, embora lhe tivesse lido e relido todas as páginas! Como poderia penetrar naquele mistério?
E um dia, cavaqueando com um venerando sacerdote, teve a ocasião de referir-se à incógnita que o atormentava. Riu-se o bom religioso, ao ouvir a ingênua confissão do grande vizir, e, afeito a decifrar os maiores enigmas da vida, assim falou:
- "O tesouro de Bresa já está em vosso poder, meu senhor. Graças ao livro misterioso é que adquiristes um grande saber, e esse saber vos proporcionou os invejáveis bens que já possuis". Bresa significa "saber". Harbatol quer dizer "trabalho". Com estudo e trabalho pode o homem conquistar tesouros maiores do que os que se ocultam no seio da terra ou sob os abismos do mar!
Tinha razão o esclarecido sacerdote. Bresa, o gênio, guarda realmente um tesouro valiosíssimo, que qualquer pessoa, esforçada e inteligente pode conseguir; essa riqueza prodigiosa não se acha, porém perdida no seio da terra nem nas profundezas dos mares. Encontra-la-eis, sim, nos bons livros, nos estudos, na dedicação ao trabalho, que proporcionando saber às pessoas, abrem, para aqueles que se dedicam, as portas maravilhosas de mil tesouros encantados!
Infelizmente não tenho mais o livro. Perdeu-se emprestado a alguém que, julgando-se mais inteligente que eu, apropriou-se do meu exemplar levando junto O Homem que calculava. Mas assim que as finanças se organizarem, vou me presentear com ambos novamente e acrescentar outros títulos que ainda me faltam.
Sugiro a leitura de Malba Tahan para todos! Um contador de causos sem igual, trazendo para a cultura ocidental os mais belos aspectos da cultura árabe, desmistificando a hiprocrisia moderna que tenta nos convencer que naquela parte do oriente só existe anseio por guerra, rios de sangue e barbaridades.
A cultura árabe é linda e traz aspectos interessantes em seu cultivo de passar ensinamentos através de parábolas. Coisa que até o outro Jesus, aquele que foi Cristo, explorava tão bem. Nera não? E ele não era de lá, não? Era!

sábado, 17 de janeiro de 2009

Aprendendo sobre o jumento

Rapaz, creio que as escolas poderíam trocar certas matérias, por algumas que ensinassem coisas mais interessantes. Por exemplo, não me lembro de ter aprendido nada sobre o jumento, em nenhuma escola por onde passei, nem na faculdade. Parece até piada o cabra querer aprender na escola sobre jumento. Mas é um animal tão formidável, não?
Hoje, depois de ter postado as primeiras letras do meu As memórias do Jumento Solteiro, resolvi voltar a um estudo que fiz, antes de começar a traçar a origem do meu personagem saudosista. E, como esse espaço também não tem nenhum compromisso de ter serventia alguma, leiam se quiser, resolvi postar aqui algumas coisas descobertas, curiosidade pura!
Por exemplo, o Dicionário Aurélio diz assim de "jumento":
[Do lat. jumentu.]S. m. 1. Zool. Animal mamífero perissodáctilo (Equus asinus), facilmente domesticável, muito difundido no mundo, e utilizado desde tempos imemoriais como animal de tração e carga. É ungulado e tem pêlo duro, de coloração extremamente variada, indo do castanho-fulvo ao cinza-escuro. [Sin. pop.: asno, burro, burrico, jerico (q. v.) e (bras.) jegue.] 2. V. burro (8).
Do terceiro significado em diante o dicionário vem com aquela onda que a palavra retrata o indivíduo muito bruto, muito grosseiro, tipo acavalado, ou ainda o indivíduo de grande potência sexual. Mas o doutor Aurélio deixou dito que isso era no tal figurativo.
Eu fico puto da vida quando usam o figurativo para denegrir a imagem do jumento. Nunca vi um jumento bruto, ser grosseiro com ninguém, desinteligente, ou ter de fato o que o nome jumento passou a significar em certos casos. Pelo menos os jumentos que eu conheci até hoje são altamente inteligentes! Pergunte aos seus donos.
Bom, tudo nasce com o asno (Equus asinus), que também é chamado de burro, jumento, ou jegue. Portanto, o asno é um mamífero perissodátilo* de tamanho médio, focinho e orelhas compridas, utilizado desde tempos pré-históricos como animal de carga. Ajudou a construir das Pirâmides do Egito, passando por outras tantas maravilhas, até a Delegacia de Polícia de Acari, quando Bombom e seus jumentos botavam a areia da obra.
Sua origem está ligada a Abissínia**, onde era conhecido como onagro ou burro selvagem.
Também há séculos o cruzamento entre burro e cavalo é feito, do qual resulta um híbrido denominado muar ou mu, com características de ambas as raças: robustez, capacidade de adaptação a caminhos acidentados e a meio ambiente adverso, docilidade; pernas mais longas e, portanto, maior velocidade, maior facilidade de treino. Tais afirmativas só me deixa mais crente no impropério que cometem dando outros significados figurativos à palavra jumento.
O macho, ou mulo, é o indivíduo do sexo masculino resultante do cruzamento de um burro com uma égua, (Equus caballus). Já o animal fêmea resultante do mesmo cruzamento é chamado mula. Entretanto, o cruzamento das mesmas espécies, porém invertidos os sexos (portanto cavalo e jumenta), dá origem a um animal diferente, o bardoto (mais difícil de criar, pois possui a desvantagem de ser menor e de herdar o temperamento birrento da mãe). Estes híbridos são quase sempre estéreis devido ao fato do cavalo possuir 64 cromossomos, enquanto que o jumento possui 62, resultando em 63 cromossomos. São raros os casos em que uma mula tenha parido, com efeito, desde 1527, data em que os casos começaram a ser arquivados, apenas 60 casos foram registrados.
Desde os tempos remotos, o jumento também é simultaneamente utilizado no meio rural para auxiliar nas tarefas agrícolas e para transporte. Foi servindo de transporte, aliás, que dizem ter levado Jesus Cristo em duas passagens bíblicas.
O nome burro veio do latim burrus, que quer dizer vermelho. Ou seja, nada tem a ver com falta de inteligência. E se o latim, diz, tá dito! Mas, como tudo que é bom tem a merda de um mas para atrapalhar, acredita-se que foi justamente daí que surgiu a crença de que os burros são pouco inteligentes, pois, antigamente, os dicionários tinham capas vermelhas, dando a ideia de que os burros eram sedentos de saber. Outra história diz que numa moeda antiga tinha a imagem de um rei com uma cabeça enorme que não era esperto, que se associou com a cabeça resistente do burro. Porém, também pode ter surgido da lenda grega do Rei Midas, que foi tolo ao ponto de contradizer a irrevogável palavra do deus Apolo, sendo castigado depois, recebendo orelhas de burro do dito deus (deus com "d" minúsculo, já diz tudo). Aí, eu começo a acreditar que Apolo não sabia nada sobre os burros, ou era apaixonado por um.
Já o nome jegue veio do inglês Jackass, burro. Jackass foi formado de duas palavras: jack - aqui servindo apenas para indicar o sexo masculino do animal (Jack é apelido de John e serve para designar um homem qualquer); e por ass, burro (Fonte: "A Casa da Mãe Joana" de Reinaldo Pimenta, editora Campus).
Ofensa
Em Portugal, tal como no Brasil, chamar alguém de burro é uma ofensa. Um indivíduo burro é um indivíduo pouco inteligente, estúpido, teimoso, ignorante, com pouco entendimento, sem conhecimento geral, sem criatividade... Imagino se os jumentos pudessem falar a revolta que já não teria existido, por essa inversão de valores.
* Ordem de animais mamíferos, geralmente de grande porte; têm membros alongados, dedos em número ímpar, cada um revestido de um casco córneo, e estômago simples.
** atual Etiópia (África).

Jumento Solteiro

Quanto mais chovia, mais o tempo se fechava e a noite, escura feito breu derretido, seguia intranquila. Dentro da enorme casa de alvenaria, feita em grossas paredes de tijolos duplos, uma movimentação enorme se fazia notar. De vez em quando a luz de um raio iluminava mais o interior da habitação e fazia pequenos os fachos de luz emitidos por velas e candeeiros. A única janela aberta dava para o alpendre da frente da casa, que por ser virada para o sudeste, acabava impedindo que os pingos entrassem e molhassem o interior do edifício. Depois um som ensurdecedor fazia tremer e tilintar os cristais dentro de um grande móvel na sala.
Num dos quartos uma mulher gritava com dores de parto. Seu marido mandava-lhe calar a boca e botar a criança para fora logo. A parteira, desesperada pela dificuldade do parto, dividia-se entre a operação e impropérios jogados contra o homem.
- Ora! Cala a boca tu também, Chica da Luz. Tu num vê que tudo isso é manha dessa desafortunada?
A parteira velha, perdida nas contas de quantas crianças assistira nascer, abriu a boca sem dentes como que não acreditando no que ouvia, levantou se pondo de pé. O coronel pôde enxergar de perto como seu rosto era enrugado. Viu que a velha estava nervosa e, temendo a expressão da velha parteira, a quem diziam feiticeira, deu um passo para trás.
- Coroné, ou o inhô cala essa sua boca, ou eu mesma calo, lhe intupindo com esse pano aqui, ó! – e mostrou levantando ao alto o pedaço de tecido que usava para enxugar o suor da mulher que estava parindo.
Aos poucos a parturiente ia perdendo as forças. Já não gritava mais. A parteira levantou-se e chamou o marido para uma conversa.
- Coroné, num posso mais fazê nada. Aja logo, hômi de Deus! Invés de ficar aí feito tonto, manda Zé Buchada ir na rua, prumode trazê Dr. Lupinha.
- Ora, Chica! Então encomendemos logo o caixão. Se tu num pode, imagine aquele bebum!
Mesmo assim o homem foi até a porta da casa e abriu a parte de cima. Gritou por um nome diversas vezes. Então, entrou em casa e pegou uma espingarda, foi até o final do alpendre e deu um tiro. Logo se viu de frente a outro homem completamente molhado.
- Zé, pegue o Jeep, corra na rua e traga Dr. Lupinha aqui. Rápido, fio de uma égua – bradou com o empregado, empurrando-o pelas costas molhadas.
No curral feito de pedras sobre outras pedras, na lateral da casa, lutava para nascer também um filhote de jumenta.


Esse pedaço de texto acima, em azul para melhor destaque, faz parte de um projeto meu, cujo título é: As memórias do Jumento Solteiro. Coisa que nasceu desse meu quengo ávido por estórias engraçadas dos matutos que conheço, ou daqueles de quem só ouvi falar. Uma ficção para variar, em homenagem, também, ao jumento. Afinal, segundo alguns, aliás, segundo o Velho Lula, cabra que geralmente tinha razão, o jumento é nosso irmão.

O Jumento é nosso Irmão

autores: Luíz Gonzaga e José Clementino

É verdade, meu senhor
Essa estória do sertão
Padre Vieira falou
Que o jumento é nosso irmão

A vida desse animal
Padre Vieira escreveu
Mas na pia batismal
Ninguém sabe o nome seu
Bagre, , Rodó ou Jegue
Baba, Ureche ou Oropeu
Andaluz ou Marca-hora
Breguedé ou Azulão
Alicate de Embau
Inspetor de Quarteirão

Tudo isso, minha gente
É o jumento, nosso irmão

Até pr'anunciar a hora
Seu relincho tem valor
Sertanejo fica alerta
O dandão nuca falhou
Levanta com hora e vamo
O jumento já rinchou
Bom, bom, bom

Ele tem tantas virtudes
Ninguém pode carcular
Conduzindo um ceguinho
Porta em porta a mendigar
O pobre vê, no jubaio
Um irmão pra lhe ajudar
Bom, bom, bom

E na fuga para o Egito
Quando o julgo anunciou
O jegue foi o transporte
Que levou nosso Senhor
Vosmicê fique sabendo
Que o jumento tem valor

Agora, meu patriota
Em nome do meu sertão
Acompanhe o seu vigário
Nessa terna gratidão
Receba nossa homenagem
Ao jumento, nosso irmão
.

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

Jessier Quirino devia ter conhecido Aristófanes

Amanhã teremos Jessier Quirino em Natal, nossa capital onde quase todos os moradores são chegados a um cosmopolitismo. Ainda estou inconformado por não poder ir ao show. Dois palavrões que grito só em meu interior me aliviam dessa raiva. Além do mais, tenho memória da primeira vez que ouvi a obra desse sertanejo arretado, campinense da Paraiba. E creiam, eu estava lá na Terra da Garoa, Sampa para uns, São Paulo para outros, congestionamento para vários; e tudo isso é um lugar só, para mim, que por lá fiquei não mais que seis dias, daquela vez.
Quem me apresentou à obra do poeta foi meu conterrâneo Vicentinho, aquele mesmo do PT, outro sertanejo arretado e que ama a cultura de sua terra natal, mesmo tendo encontrado noutros vales o oásis da vida. Pois bem, Vicentinho arregalou os olhos e quase vi seu órgão par da visão saltar caixa fora com esclerótica, coróide e retina, tudo junto, claro e evidente.
- Não conhece ainda Jessier Quirino? - perguntou-me assombrado.
Depois me entregou como presente o CD Agruras da lata d'água, que ouvi nem sei quantas vezes ainda na Terra dos Viadutos (essa é só minha), principalmente a faixa Paisagem do interior. A saudade era tanta da minha terrinha onde pouco chove, que já é abreviada por natureza, que nem tem nome de santo, onde a única coisa que detêm o trânsito é um cachorro enganchado numa cadelinha sem vergonha; terra que só possui algumas pontes e uns tantos pontilhões, mais nem sei quantas passagens molhadas.
Aí, do mote da faixa eleita "mata saudades", fiz dois versinhos outro dia. O primeiro me lembrando do velho amigo Aristófanes, caboclo matuto com nome pomposo, mas que nem sabia assinar seu próprio nome; mais para Zé Pelintra, pelo vício que o dominava, do que para filósofo ateniense; trabalhador sem preguiça que foi pego numa noite de lua boa nas traseiras de uma cabra berrante e que, desse dia em diante, passou a abominar o "béééé" gritado pela turma da rua por onde ele passava cambaleante. Aristófanes, aliás, nunca deve ter ouvido sequer algo sobre a guerra do Peloponeso, porém vivia sua própria guerra contra quem lhe insultava, quiçá contra o vício que lhe deixava com um olhar triste. Aristófanes que não escrevia comédias, mas vivia uma vida que era uma comédia; um tipo que se Jessier tivesse conhecido, com certeza estaria contando seus causos até hoje. O mesmo Aristóteles que nem precisou ir conhecer o trânsito louco de São Paulo para morrer atropelado. Bastou ir ali em Parelhas. Que Deus o tenha.
No mesmo verso, a memória me levou às nove horas dos sábados de minha infância.
Já o segundo verso, veio da cabeça mesmo. Não foi uma situação presenciada. Pelo menos não que eu lembre. Se bem que fiquei imaginando certas "solteironas caritós" da minha aldeia dando seus ais. Mas aí, se eu disser o nome de alguma, vou ter que arrastar real para algum advogado.Prefiro economizar para uma próxima vinda de Jessier Quirino a Natal.
Bom, mas eis a minha criação (tão pequena quanto o canivete pra lá de esmerilhado que Aristófanes puxava, ameaçando de longe quem o insultava):
Um bêbado sendo insultado
Na reunião duma esquina
Só de alma masculina
Dizendo-lhe que tá cagado
Um terço todo rezado
Na missa do agricultor
Gente simples no fervor
Pela chuva agradecido
ISSO É CAGADO E CUSPIDO
PAISAGEM DO INTERIOR

Um jumento amarrado
Debaixo duma mangueira
Sem vergonha e sem besteira
Ficando todo ouriçado
Com olhar arregalado
Moça veia e sem pudor
Passando grita de dor
Por aquilo tudo estruído
ISSO É CAGADO E CUSPIDO
PAISAGEM DO INTERIOR.

quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

De Lula eu entendo!

Havíamos saído mais cedo da universidade naquela noite. O professor de ARH sofrera um acidente doméstico e não pôde lecionar no segundo horário. Combinamos, nós a turma do fundão da sala, de irmos tomar uma no CU. Calma gente! CU é simplesmente a abreviatura de Cantina Universitária, que na verdade é um barzinho a pouca distância do nosso campus, onde chegamos e ocupamos a mesa mais próxima da esquina que, também, era a mais chegada da TV. Éramos num grupo de seis alunos: Marcus Aurélio, o matemático da turma, que tudo levava para o campo dessa ciência; João Felipe, cujo apelido era Bala, festeiro contumaz; Celão, um cabra que quase não pára de crescer, e finalmente eu, que esqueci de crescer depois dos cento e sessenta e quatro centímetros. Bom aí, tem cinco e além da opção acadêmica em Administração, sentando-se todos numa amontoado de carteiras lá no fundo da sala, tínhamos também outra coisa em comum: éramos todos anti PT. O sexto faço questão de descrevê-lo: Dudu vestia uma camiseta vermelha com uma enorme estrela branca no centro dos peitos. Às vezes essas cores eram invertidas. Mas, a coleção daquelas camisetas parecia não ter fim. Não lembro de tê-lo visto vestido de outra forma. Calça jean’s desbotada, acompanhada de uma bolsa do mesmo tecido, tão velha quanto a calça, trazendo dentro de si não cadernos nem livros, mas recheada de panfletos e outros materiais de propaganda política; além do velho par de tênis da mesma cor da bandana que muitas vezes enfeitava, ou, enfeiava mais todas as outras combinações. Um tipo desses que encontramos aos montes em qualquer campus de uma capital brasileira qualquer, sobre um banco de concreto discursando para a massa de estudantes alheios aos seus gritos, sobre a importância do socialismo e a demoníaca ascensão do capitalismo sobre a classe proletariada. Um discurso antigo, mas ainda em uso. Dudu era a exceção do grupo, na área da política.
Foi sentarmos e na TV começar o horário político. Não tinha como dar certo. Outra vez, assim como tinha acontecido nos últimos dias, iniciou-se a discussão. Claro que Marcus Aurélio puxou logo tudo para o lado dos números e Dudu, defensor ferrenho de um certo barbudo, aloprou como de costume.
Estávamos tão extasiados na peleja, que nem percebemos quando o velho foi se aproximando. Fomos despertados do torpor das teimas, quando ele pediu licença para falar. Quem seria ele, perguntaram todas as mentes em uníssono silêncio.
- De Lula eu entendo – falou aproveitando a falta de sons.
Quando vimos, também já estava sentado e servindo-se da cerveja. Vestia uma roupa velha, rasgada em alguns pontos; a calça arregaçada até o meio das canelas finas, era de um brim azul há muito embraquecido; barba grande e maltratada; um boné surrado, sujo e rasgado, fechava a breve descrição daquele tipo. E sem que esperássemos resposta alguma, começou a sua história.
- Fui retirante da seca de 1961, viajei pra São Paulo, fugindo dessa peste, quando ainda era um menino de 16 anos de idade. Perambulei pelas ruas, passei fome, passei frio, fui discriminado até onde um ser humano pode suportar. Mas como almas boas e anjos maus existem em todos os cantos, uma alma boa me acolheu e me deu emprego de jardineiro. Fiz amizade com alguns rapazes da rua em que morava e, às vezes, até íamos bebericar alguma coisa juntos. Tinha um que era meu amigo mais chegado. No final de 1963, eu já era de maior, quando fui acusado de roubar uma bicicleta - fez uma pausa para beber um pouco da cerveja posta no copo e continuou. - Até hoje eu juro que não peguei no alheio, como meu velho sempre me ensinou. Mas para a minha surpresa, aquele amigo mais chegado, foi quem menos ouviu as minhas defesas. Usou até de seu conhecimento para dizer que num país num sei aonde, quem era pego roubando tinha a mão decepada. Juro que tremi na hora. Perdi emprego, perdi os poucos amigos e caí na marginalidade. Não escondo o que fui. Participei de um crime, fui pego, julgado e condenado. Da prisão comecei a ter notícias daquele velho amigo - fez outra pausa e encheu novamente o copo. - Um dia assistindo a TV, percebi que lhe faltava um dedo. Como perdeu aquele dedo? Pensei na sentença que ele me deu na ocasião do roubo da bicicleta. Aqui abro um parêntese para dizer que depois foi descoberto o ladrão. Havia sido um entregador de feira dum supermercado da região. Bom, mas ali estava eu preso, vendo o meu amigo subir na vida. “Que bom!” eu pensava comigo mesmo. Eu era transferido de um presídio pra outro e fui parar no Carandiru, onde terminei de cumprir a minha pena e de onde saí no dia 30 de setembro de setembro de 1992, dois dias antes do grande massacre. Procurei por aquele meu amigo, naquela altura um senhor respeitado, ouvido e amado por muita gente. Recebi o seu descaso, a sua completa ignorância ao meu respeito, e ainda tive que ouvi-lo contar de como a sua vida havia mudado, das novas amizades e das suas viagens. Algumas até pra o exterior. Hoje ele é o presidente da república. Sai de bom pra muita gente, mas eu sei quem é aquele cabra. E atesto sem rodeios: Lula não presta! Porque nunca vi um Lula bom, fora o Rei do Baião. E digo isso com conhecimento de causa. Às vezes me pego pensando naquela sentença que ele proferiu pra mim, e fico tentando contar quantas mãos seriam necessárias ele possuir para ser disciplinado por completo.
Todos ficamos calados. Então, ele pegou o copo de cerveja e embocou o seu conteúdo todo de uma vez dentro da boca de dentes sujos. Levantou-se e arrematou:
- Tenho 61 anos de Lula, pois meu nome é Luiz Gonzaga dos Santos. Também sou um Lula e, assim como os outros, não presto! – Sentenciou pondo ênfase na última palavra da frase.
Saiu devagar, arrastando os passos, sem olhar para trás... A cabeça ia baixa.
Depois ficamos a divagar sobre a veracidade da história e na teoria maluca daquele velho doido: Nenhum Lula presta! E pagamos a conta depois de relembrarmos vários Lulas que conhecíamos e que de fato não serviriam como bons exemplos. Apenas três haviam se salvado.
No outro dia, para a nossa surpresa, Dudu raspou a barba, cortou o cabelo, jogou fora o velho boné e chegou todo de azul na faculdade. Calça jean’s novinha. Nos pés um tênis americano da moda.
PS.: Era plena campanha para presidente, de 2006, e sempre discutíamos entre colegas sobre o melhor nome para tomar conta desse Brasil continental, quando nos apareceu um tio meu, apelidado de Lula, que dirigia o ônibus que nos levava à universidade, campus de Currais Novos. Ele ouviu por muito tempo a nossa discussão, depois saiu-se com essa "De Lula eu entendo". Para a criação da estorinha, foi um pulo de batente baixo, mudando apenas os nomes verdadeiros. Também não sou anti-Lula. Pelo contrário, até admiro muito o sujeito. Estou mais para fã dele, do que para inimigo voraz. Apenas sou um contador de causos, e como tal, criei, crio e criarei aqui nesse blog algumas situações que nem sempre serão verdadeiras. Mas cuidarei em dizer quando assim for.

Ter opiniões

Sempre quis ter um lugar onde eu pudesse escrever livremente, sobre temas que saiam da esfera Acari. Não que o amor tenha diminuído, mas, convenhamos, há assuntos e temas, ideias e opiniões que não cabem naquele outro espaço.
Nesse meu novo trabalho me desafio. Proponho-me a um novo combate. Quero voltar no tempo, me expulsando do presente. Mas também quero ousar e viajar ao futuro, lançando-me do presente.
Aqui, basicamente, falarei do meu cotidiano, também. Dos diálogos que ouço nos ônibus da minha vida; das colocações que escuto nas paradas do meu viver, das pessoas simples que convivem comigo, anônimas para mim, de suas posições, dos seus ideais muitos vezes compartilhado comigo, que nada sou e nada sei.
Enfim, aos poucos talvez eu crie um perfil que dê mais certo com aquilo em que creio hoje, com aquilo que me traz boas lembranças (e porquê não as más?). Aqui será uma página para as Memórias Cotidianas.
Continuem visitando esse espaço que, a cada nova postagem, eu vou me achando e explicando melhor.