domingo, 15 de novembro de 2009

Isso é cagado e cuspido paisagem do interior

Um bêbado sendo insultado
Na reunião duma esquina
Só de alma masculina
Dizendo-lhe que tá cagado.
Um terço todo rezado
Na missa do agricultor
Gente simples no fervor
Pela chuva agradecido
ISSO É CAGADO E CUSPIDO
PAISAGEM DO INTERIOR

Um jumento amarrado
Debaixo duma mangueira
Sem vergonha e sem besteira
Ficando todo ouriçado.
Com olhar arregalado
Moça véia e sem pudor
Passando grita de dor
Por aquilo tudo estruído
ISSO É CAGADO E CUSPIDO
PAISAGEM DO INTERIOR.

Em homenagem ao grande nordestino e poeta,ator e compositor, matuto de primeira linhagem, Jessier Quirino, que está com livro e cd novos na praça.

domingo, 8 de novembro de 2009

Se eu pudesse encontrar quem mais amei

Vi meu filho num canto desolado

Expressando no olhar enorme tristeza

Perguntei-lhe o porquê, queri'a certeza,

Do que lhe deixava assim tão acanhado.

Respondeu-me: papai, tô abalado,

Minha amada partiu, não vem mais, não!

Agarrado aqui ao meu violão

Assobio baixinho o que alto cantei

Se eu pudesse encontrar quem mais amei

Livraria da dor meu coração.


Parte do poema cujo título segue acima.

Jesus de Miúdo.

(Março de 2008)

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Viagem ao nada

Eu viajo sem saber direito para aonde vou
Me afasto de mim e de meus sentimentos
Quero a solidão, estática sem impedimentos
Para entender, por fim, quem realmente sou.
Ultrapasso as barreiras de onde eu estou
Indo além de um lugar que eu não sei ao certo
Se é paraíso, inferno, jardim de flores, ou deserto
Augurando descobrir, sozinho, o que me fará feliz
E o meu espírito, tadinho, chega e me diz:
- Se afaste de tudo, mas fique aqui por perto.
Eu viajo sem saber direito, mas quero o céu aberto
Com estrelas que iluminem o ir a esse meu exílio
Servindo de guias nessa busca por novo domicílio
Onde a minha alma descansará com amor, decerto
E o meu eu seja por fim, por mim, assim, descoberto
Quero um lugar onde eu não tenha mais dificuldade
De expressar-me, ser compreendido, em minha castidade
Quero gritar coisas que jamais gritei
Amar, viver, sem as culpas às quais sempre me dei
E por fim gargalhar alto, louco, de tal liberdade.
E se o meu espírito, tadinho, pedir por caridade
Que eu retorne aos lugares do passado ido
Que eu, humilde, saiba e tenha compreendido
Que o grande monstro nascido da verdade
Nessa tentativa de, de mim mesmo ter fugido
Seja a descoberta que o sofrimento gera a saudade.
Então, ao meu espírito falarei com desenvoltura
Se acalme, seja plácido, seja espírito apenas
Pois o meu eu, mesmo longe, vive hoje lindas cenas
E perdeu com a liberdade, o dom da amargura.


Jesus de Miúdo.
Set/09.

Rio e mar. Mar e rio...

Sei que ando meio relapso com esse espaço, mas prometo que vou atualizá-lo com maior frequência. Segue algo já publicado no www.acaridomeuamor.nafoto.net

(Escrito no sábado 24 de outubro, à noite, em homenagem à Professora Ana Lúcia Sampaio)

Hoje à tarde tomei rumos há muito não procurados. Confesso que saí de casa meio sem ermo, andando para ficar só. Desci pela rua principal retribuindo o carinho das pessoas que me cumprimentavam com palavras rápidas ou, simplesmente, com gestos em acenos de cabeça ou de mãos. Alguns polegares para cima, outras vezes dois dedos em foram de “V”.
Quando alguém tentou me acompanhar e puxar conversa, não fui grosso. Mas procurei ir por onde ele não ia, seguindo meu desejado passeio solitário, sentindo o calor de trinta e seis graus, o sol queimando meu rosto, o vento quente soprando e assanhando meus cabelos... literalmente sem lenço e sem documento algum.
De repente estava sobre a ponte que separa nossa pequena cidade, Norte numa cabeceira, Sul na outra, Rio Acauã passando por baixo dos meus pés firmes sobre o concreto da construção há vinte e seis anos inaugurada.
Desci pela cabeceira sul e me vi sobre a areia fina da margem do dito rio. Tirei as sandálias, arregacei as pernas da calça jean’s, desbotada pelos anos, tecido macio, fino por tantas lavagens sofridas, pondo-as um pouco abaixo dos joelhos. Caminhei por aquele ponto onde a água beija de leve a areia, mal cobrindo meu pé direito, mais na areia que na água, entretanto engolindo meu pé esquerdo sempre que esse tocava o chão. Caminhei ao contrário das águas.
Fui sentar-me numa pedra, à sombra de uma Ingazeira, a mesma pedra de onde, quando ainda um menino teimoso e desobediente, às vezes, não considerando as advertências maternas, dela me atirava num mergulho para sair lá embaixo, correnteza me levando como um peixe que não tem piracema para motivá-lo em lutar contra o fluxo da enchente.
Sentado ali me lembrei de tantas coisas passadas... e os anos foram sendo exibidos na tela das minhas lembranças, retornando cenas em memórias que se eu pudesse reviveria todos os dias. De repente, não tinha mais do que me lembrar. Cheguei ao hoje.
Olhei rio acima, até onde a minha vista podia alcançar. Rio torto, pedras em seu caminho, contornadas sem nenhuma força. Tantas pedras... vencidas pelo rio tão maravilhosamente caudaloso.
Lá longe a serra ainda se veste de mata verde pelas chuvas que esse ano foram benfazejas. Percebi que tudo ainda está verde. Tudo verde... que verde! Que serra! Grande, majestosa! Nem por isso venceu a teimosia das águas e, em certo ponto, se fez garganta para que o rio pudesse passar, se fez espécie de cânion para a passagem das águas.
“Rio torto”, pensei. Como são todos os rios.
Deitei-me na pedra, fechei meus olhos. Lá às minhas costas o sol começava a baixar, perdendo a força, o brilho se tornando avermelhado, já não refletido em nenhum ponto nas águas do rio. Não daquele lugar em que eu estava.
Confesso que certas glândulas me turvariam os olhos, se abertos estivessem, quando senti rolarem duas aguinhas impertinentes e que logo viraram quatro. Se mais tempo ali permanecesse, tenho certeza, o rio aumentaria um pouquinho em seu volume.
Me pus de pé sobre a pedra. Tirei minha camiseta, joguei-a de qualquer jeito sobre as sandálias, mirei as águas do velho Acauã, juntei meus pés, tomei fôlego e pulei.
Após o mergulho, me deixei levar um pouco pela correnteza para, só depois, procurar a margem de terra firme. Saí alguns metros à frente. Por um momento me vi menino novamente, não fosse pela calça jean’s substituindo o calçãozinho de tecido barato que eu usava quando mais novo.
Novamente sobre a pedra, percebi a água que escorria de mim, lambia a rocha e se juntava ás outras águas rio abaixo, levando por certo algum pingo salgado que rolara da minha face.
“Esse rio vai dar no mar”, pensei. Como vão todos os rios. E aí, lá no mar transformar-se-á em nuvem novamente, nuvem em chuva, chuva em água, água na terra, da terra para o rio e do rio para o mar! Rio e mar. Mar humilde, vivendo abaixo do rio apenas para recebê-lo. Mar. Rio. Rio e mar... um ciclo perfeito e tudo tem o seu recomeço. A ida, a volta, para a ida, à volta, a ida...
Confesso que eu agora creio em recomeço. Há, sim, muitos rios e vários mares, alguns oceanos; todos feitos rios, todos feitos mares. Porém, hoje descobri que é possível recomeçar.
Sempre é!
E a citação que hoje me inspira é: “Todo caminho tem... tem ida e volta”.

domingo, 17 de maio de 2009

Pôrra-Louca

Falar com os olhos
Morder com as mãos
Abraçar com a boca...
Isso não é paixão?

- Que merda é essa? - perguntou o gari que passava varrendo a rua, todos os dias, assustado com o que acabara de ouvir na voz feminina do jovem alto.

sexta-feira, 15 de maio de 2009

Por tudo que for - plágio em prosa de Lobão

... e depois a luz da rua que adentrava meu quarto pela janela de vidro se apagou. Já não adiantava ficar de olhos abertos ou fechados. Tanto fazia. Mas nas imagens que vinham como que pelos olhos, fechados, o dia estava claro e você estava segurando a minha mão. Mas de repente uma nuvem preta tomou conta da mente, você se foi. Sem você é tão ruim. O prazer não tem satisfação, não há nada além do nada. Não faz sentido, sem você... E saber que quem errou fui eu, me tirava a respiração. Fui dormir fingindo que a solidão era a melhor companheira. Ah! Doce ilusão pensar em você batendo a porta e chamando meu nome. Só me restava tentar dormir. Dormir para tentar sonhar com você segurando a minha mão, caminhando junto a mim, num dia claro. Não dava mais. Ali naquele instante, não dava mais. Sentia que você havia ido para sempre e eu fui dormir tentando acreditar que a solidão era, de fato, a minha melhor companheira. Olhei pela janela do quarto, sem saber quanto tempo já passara. O dia estava claro, mas você não caminhava ao meu lado, segurando a minha mão. Fechei os olhos novamente e você nem apareceu mais. Sem você é tão ruim.

quinta-feira, 14 de maio de 2009

Silêncio

... então, ela olhando de lado por sobre o ombro esquerdo, avistando o vale que se perdia na vista, inquietando-se por um momento por tudo que vivia ali, perguntou-lhe de súbito:
- E o silêncio, para você, o que é?
Ele olhou para ela, percebendo que seus olhos estavam longe, mas sua mente esperava por uma resposta. Pegou um pequeno galho seco e levou à boca. Mordeu um pouco, sentiu um gosto amargo, apertou os olhos como querendo avistar mais longe do que o possível e por fim respondeu olhando o mesmo vale aberto aos olhos de ambos:
- É a mais fria das armas que matam e o mais bruto dos descasos.
Calaram-se os dois.

terça-feira, 21 de abril de 2009

Ética

Nos dias atuais e no presente contexto das relações humanas, e empresariais, a ética tornou-se um tema complexo e especial em virtude dos inúmeros acontecimentos que nos rodeiam diariamente, tanto no campo político quanto no social e empresarial.
Entretanto, um outro debate também chamará a atenção para uma discussão sobre a conduta humana, ou seja, em sociedades pluralistas como as atuais, onde o capitalismo e a democracia há muito se fortaleceram e se expandiram pelo mundo, estando para muitos a corrupção como o maior obstáculo para a felicidade racional das pessoas, sendo, assim, comum que se encontrem pontos de dissenso acerca de questões éticas.
Não há como negar que Agostinho, o de Hipona, foi o maior filósofo da época patrística, tempo em que as evidências e compreensão das coisas estavam intrinsecamente ligadas às teorias dos Santos Padres, além do mais importante e influente teólogo da Igreja em geral.
Portanto, é imprescindível uma análise sobre os pontos de vistas e opiniões do referido autor.
No Livre Arbítrio, obra que Agostinho escreveu entre 388 e 395 d.C e, na qual, Agostinho contraria a ideia maniqueísta com seus dois princípios, o princípio do Bem e do Mal, e segundo a qual o Universo foi criado e é dominado por dois princípios antagônicos e irredutíveis: Deus ou o bem absoluto, e o mal absoluto ou o Diabo; defendendo que deste modo o homem não é livre nem responsável pelo mal que faz. Agostinho procura demonstrar que a nossa conduta, o poder de agir como queremos, é uma decisão soberana, um arbítrio. A ética agostiniana caracteriza-se na obra pela formulação de uma explicação de como pode existir o mal se tudo vem de Deus que é bom.
Em seguida, na obra Confissões, escrita no ano 400 d.C, Agostinho esboça uma ética harmonizada com os preceitos morais cristãos. Entretanto, se para os gregos o homem bom é aquele que sabe e conhece, para Agostinho o homem bom é aquele que ama aquilo que deve amar.
Santo Agostinho torna-se essencial para uma discussão no que tange um entendimento da ética cristã, com tais obras e pensamentos. E, porquê não dizer da ética geral em sua gênese, uma vez que todo pensamento humano no que qualificamos como moral, ou seja, das coisas certas e erradas, advêm das crenças e dos mitos religiosos.
Independente da forma como o homem atual vê a ética e procura respeitá-la, o que temos observado é uma carência dos melhores valores por parte daqueles que deveriam mais nos exemplificar com a sua moral.
Fico demasiadamente apreensivo quando noto que, não obstante a vergonha nacional por atos de alguns dos seus líderes mais conhecidos, esses homens se reúnem e, numa falta total de moral, elevam à normalidade atos que fariam qualquer ser com consciência moral e cívica elevados irem de encontro ao suicídio. Isso noutras culturas, claro! Porque na nossa atual, tudo tem sido simplesmente normal.
Não quero com essas palavras ditas acima, e com as que virão a seguir, me dizer um homem ético em tudo, tampouco sem defeitos. Isso seria pura utopia da minha parte, simplesmente por eu acreditar não haver exemplar na espécie humana com tal conceito. Mas, o fato do menino Fábio Faria ter devolvido o dinheiro das passagens, para mim, não atenua em nada a vergonhosa forma com que agiu e agem quase todos daquela "casa". Se os envolvidos quando pagarem o que de fato devem à nação - e aqui não falo apenas no valor financeiro, e muito mais dando ênfase ao valor moral - e se pagarem, forem tratados como "arrependidos e perdoados" nesse caso, os fatos abrirão em nossa sociedade um prescedente perigoso e altamente nocivo aos modernos meios de viver em coletividade. Por tal exemplo vindo do congresso, eu poderei a partir de agora entrar numa loja, por exemplo, e sair sem pagar com o que eu quiser. Se for pego e acusado de desvirtuado ou de ladrão, bastará para mim ressarcir o valor à loja, e me dizer arrependido. Caso não seja pego, ficarei com o bem traquilamente, sem maiores remorsos já que tudo é normal.
Antes de utilizar-me do novo direito aberto pelos melhores membros da nossa sociedade, prefiro apegar-me hoje às palavras de Tomás de Aquino: "A verdade é definida como a conformidade da coisa com a inteligência”.
Pensem nisso.

sexta-feira, 10 de abril de 2009

Partida

Chorando se ia,
Chorando voltou.
Chorando sofria,
Quando me deixou.

sexta-feira, 3 de abril de 2009

Estorinha boa de contar da porra, hômi!

Ele acorda, vira de lado na cama e se olha no espelho. Assim descobre que acordou vesgo. Uma coisa estranha em sua cabeça. Não consegue lembrar-se direito quem é, onde estar, com quem vive...
Com dificuldades ele consegue ir até o final da cama, onde uma calça em brim, quadriculada, está abandonada. Ele procura freneticamente nos bolsos, para ver sua foto na identidade. Quer ver se na foto é realmente daquele jeito, mas acha apenas um passaporte e, assim, descobre que é argentino!
"Não pode ser, meu Deus!", ele pensa. Com dificuldades ele senta na cama, tenta levantar-se, mas algo não o deixa. Ele olha de lado, procura algo em quê se apoiar para levantar-se. Enxerga numa distância pequena, no mesmo quarto uma cadeira. Mas não é possível!! É uma cadeira de rodas, o que significa que, além de ser vesgo e argentino, ele é também deficiente físico!
"É impossível", diz para si, "que eu seja vesgo, argentino e deficiente físico".
- Amôôôôr!, grita uma voz atrás dele. Mas é uma voz masculina, ele apura os ouvidos e um segundo chamado é escutado. É o seu namorado... Cacete! Ele, enfim, descobre que é também viado!
- Foi você quem pegou a minha seringa? - pergunta a voz.
"Ó Deus! Vesgo, argentino, deficiente físico, viado, viciado e soropositivo?! Não pode ser", ele se desespera calado. Mas logo que a realidade é tirada à prova e ele percebe que aquilo não é um sonho, ele começa a gritar, a chorar, a arrancar os cabelos e...
- Nãooo! - ele grita apavorado. - Sô-Sou ca-ca-careca!
Toca o telefone. É seu irmão, que diz:
- Desde quando mamãe e papai morreram, você só faz se entupir de drogas, vagabundeando o dia inteiro! Procura um emprego, arranja algum trabalho! - e desliga sem dar tempo dele perguntar-lhe alguma coisa. Queria saber pelo menos quando os pais morreram, se ele havia ido ao enterro. Mas outro sentimento de azar se apodera dele. "Que merda", ele pensa, pois acaba de descobrir que também está desempregado!
Se pelo menos o irmão tivesse lhe dado tempo de uma explicação, ele tentaria se justificar dizendo que é difícil encontrar trabalho quando se é vesgo, argentino, deficiente físico, viado, viciado, soropositivo, careca e órfão. Ele liga de volta e o irmão atende. Quando ele tenta falar, não consegue, porque... Porque é gago!
- Esqueci de lhe dizer. Não poderei ficar com vocês dois aqui, quando demolirem a sua casa hoje à tarde - fala o irmão do outro lado e desliga sem esperar palavra alguma dele ser completada.
- Mê-mê-meu ir-ir-irmão, espé-pé-pé-pere aí - ele pede quase gritando. Em vão, o irmão desliga.
Transtornado, joga o telefone num canto da parede, e com muito esforço consegue subir na cadeira de rodas, não sem antes perceber que não possui a mão direita. Nem notara quando procurava por um documento, minutos antes. Já com lágrimas nos olhos, vai até a janela olhar a paisagem, esperando ver o mar ou um belo bosque.
Milhões de barracos ao seu redor. Ele sente uma punhalada no marca-passo: além de vesgo, argentino, deficiente físico, viado, viciado, soropositivo, careca, órfão, gago, maneta e cardíaco, é também favelado.
Ele começa a passar mal e sentir um calafrio. Com esforço dirije-se ao guarda-roupa para pegar um agasalho, e para sua surpresa, quando abre a gaveta encontra uma camisa do... Flamengo.
"Aí já é sacanagem", ele pensa. "Que merda de vida é essa minha?", ele se pergunta. Entra em surto, pois além de vesgo, argentino, deficiente físico, viado,viciado, soropositivo, careca, órfão, gago, maneta, cardíaco, é também favelado e torcedor do Flamengo. Começa a pensar como poderia cometer o suicídio. Um tiro no ouvido? Não possui armas, se atiraria da janela? Ela possui uma proteção de ferro. Veneno! Quando ele começa a raciocinar qual o mais poderoso... Puta que ô pariu! Nesse momento, volta o seu namorado e diz:
- Amôôôr, vamos! Se não chegaremos atrasados para comprarmos as entradas do Show do Callypso. Afinal, adoramos os gritinhos da Joelma, não é mesmo?
NÃÃÃÃÃÃÃOOOOOOOOOO!
Acordou suado.

Mosaico

Eu não vou correr pra perto de mim
Nem vou juntar os passos que eu não dei
Nego-me a cantar aquilo que jamais li
E rio do riso rídiculo que não espalhei
Mas juro que por algo, ou nada, lutarei
Que morrerei feito o herói que não vivi
E, enfim, para o tudo dos dias nada serei
Só assim voltarei a viver longe de mim.
O dia da gente é este no qual estamos. Os outros para trás são só lembranças e o futuro é tão incerto quanto o lugar onde a onda quebrará.

Jesus de Miúdo

sábado, 28 de março de 2009

Fortes?


Vi robustas árvores envergadas pelo vento
Lutando contra a morte, apegadas à terra
Soltando suas folhas sem, talvez, contentamento
Deixando escapar, assim, a beleza que encerra.
Vi o vento que soprava com intrepidez
Sem poder ser detido em suas livres veredas
Atentando contra uma árvore pra tirá-la de vez,
Do solo, em silvos longos entre as alamedas.
Um homem que passava segurou seu chapéu
Olhou para a árvore e se compadeceu
Pois compreendeu que debaixo do céu
Só não se curva ao mais forte aquele que morreu.
Mas até o vento que ninguém sabe de onde vem
Embora forte e ágil sem ter que dar satisfação
Chega uma hora que se cansa também
E deixa tudo que levantou cair de novo ao chão.


Jesus de Miúdo
5/10/2005

sexta-feira, 27 de março de 2009

Descobertas

Tudo quanto eu sei
É que não preciso mover mundos
Pra saber que nada sei.
Tudo quanto eu tenho
São pensamentos fecundos
Pra entender que nada tenho.
Tudo quanto eu sou
Não dura míseros segundos
Pra perceber que nada sou.
O que sou?
O que tenho?
O que sei?
Nada!
Jesus de Miúdo
Janeiro/2007

Ciranda


Viro ninguém.
Perto de ti
Eu sou alguém
Longe de ti
Não me convêm
Sobre ti
O riso vem
Sob ti
Eu passo bem
Falando a ti
Digo amém
Ouvindo a ti.


Jesus de Miúdo
Setembro/2007

domingo, 22 de março de 2009

Morrer em ti


Revestido de receios,
Vi meu mar nos seios teus.
E todos os meus anseios,
Todos os desejos meus,
Num mergulho se afogaram.

Vi meu céu em tua boca
Numa vontade louca
Desejei morrer em ti.


Morri.

Jesus de Miúdo.

Maria da Penha nele, e uma surra nela!



A coisa foi a seguinte: uma amiga minha, a quem só conheço virtualmente pela Internet, levou umas porradas do homem com quem vive. Aí, ligou para uma amiga e pediu socorro. A amiga lhe socorreu, mas botou a boca no mundo. Quando o cabra ia sofrer as penas da lei, a espancada (teve até hemorragia interna) desmentiu tudo, exaltou as qualidades do marido, disse que tudo era inveja da amiga, pois tinha sofrido um tombo no banheiro. Aí, eu não me aguentei e mandei por e-mail o cordel de presente pra ela:


Aqui na minha terrinha
Também tem um tipo ruim
De mulher, que faz assim:
Apanha e fica quietinha.
Mas se faz de coitadinha
Diz que foi escorregão
Que sofreu em seu sabão
Quando saía apressada
Do banheiro, ensaboada,
Por não prestar atenção.

Agora é essa a questão:
Apanha ou é desatenta?
Ela diz que o povo inventa
Qu’ela leva moxicão
Mas acho que é a mão
Do marido cachaceiro
Profissional uisqueiro,
Que lhe faz só de pamonha
E ela, muito sem vergonha,
Diz: - É bom, meu companheiro.

O cabra é um loroteiro
Metido a arroxado
Mas quando ele é provado
Por um homem verdadeiro
Falam que corre primeiro
Pra descontar na inocente
Que embora inteligente
Não vê qu’ele é um imbecil
E toda quebrada e servil,
Diz: - O meu homem é decente.

Quando a coisa fica quente
Ela liga pr’uma amiga
É sempre a mesma cantiga
-
Eu sofri um acidente.
Mas por inveja, não invente
De pensar que apanhei.
Eu apenas escorreguei
Quando saía do banheiro,
Caí com meu corpo inteiro
E a cabeça quebrei
.
Aí, o marido dela me respondeu dizendo que eu era um louco porque não sabia com quem estava mexendo, que ele tem muito dinheiro, era de família rica e tradicional de certa região do país, que ia me processar e mais uma ruma de bosta. Mandei-lhe, então o seguinte cordel:
Na minha terra querida
Temos de tudo um pouco
Podem até me chamar: “louco”
Mas não tenho outra saída.
Aqui a gente duvida
De metido a valentão
Mas que só levanta a mão
Pra bater no feminino
Não passa de um cretino
Sem alma e sem coração.

De que adianta o sujeito
Ter “nome” e tradição
E faltar-lhe a educação,
Ser sem caráter e respeito?
Falo logo em meu conceito:
O cabra não é do bem.”
E não importa quant'ele tem
Pode ser um mar de dinheiro
Pode até ser um “Carneiro”,
Mas pra mim, não é ninguém.

Não vejo porque senão
Nessa linhas que hoje leio
Nem me traz um aperreio
Entrar em tal discussão
Eu falo de coração
E não arredo o pé
Aqui quem bate em mulher
Não é homem, é um nojento !
Não é sequer um jumento
Pois não rincha, só faz béééééééééééééé !

sábado, 21 de março de 2009

Se foi Maria...

Maria, cadê você, cadê Maria?
A vi subindo a ladeira, outro dia,
Puxando um menino, pegada na mão.

Maria, cadê você, cadê Maria?
A vi sumindo faceira, cheia de alegria
Puxando um gringo, pegada na mão.

Maria, cadê você, cadê Maria?
A vi partindo aventureira, sem euforia,
Puxando a saudade pr'o meu coração.


Se foi Maria...

Escrito para ninguém, dentro de um ônibus em movimento, numa manhã bucolicamente cinza de segunda-feira.

quarta-feira, 18 de março de 2009

Misturas

Sou parte de ti? Não sei.
Sou metade de mim? Não sei.
Tudo que sei é que sou pingo
Juntando-me ao teu suor
Descendo por tua pele nua
Lambendo tua carne crua
Para cair no solo em que tu pisas.

Sou de ti esquecido e nunca lembrado
Mas roubo de ti o sal pra terra
Onde morro e por quem sou tragado
E na qual minha paixão encerra.

Escrito para ninguém, numa tarde quente de outubro qualquer.

domingo, 1 de março de 2009

O que é que me falta fazer mais...

Se até hoje o que eu fiz ninguém faz?
Quem conhece um pouco de Cantoria de Viola sabe que esse é um tema muito pedido nos festivais, ou simples apresentações. Nele o poeta viaja, se faz forte, criativo, inventor ... Torna-se um deus na criação do repente.
É um mote que instiga o repentista poeta a falar de sua vasta cultura, ou de usá-la na construção de cada verso.
No embalo do mote, eu criei:

Eu já fui aboiador, já fui vaqueiro,
Derrubando boi na faixa pelo rabo
Eu também já amansei burro brabo
Já cantei pra donzela, fui seresteiro.
Trabalhei de arquiteto, de engenheiro
Projetei carro pra mover-se a gás
No repente ganhei uns mil festivais
Hoje em dia sou palhaço da alegria
Perguntando aqui no Circo da Poesia:
O que é que me falta fazer mais???


Eu projetei as pirâmides do Egito
A água doce do Rio Nilo? Eu destilei!
Fui Faraó da nação que tanto amei
Ouvindo o povo me chamando de bendito.
Reuni minha história num escrito
E vi Cleópatra em vestidos sensuais
Conquistando-me com trejeitos divinais
Pra me amar como a outro não amou
Mas um dia ela assim me perguntou:
E o que é que lhe falta fazer mais?


Dei uns toques a um tal de Avicena
Para escrever sobre a ciência Medicina
Descobri a molécula da morfina
E disse a Seturne: Isso aqui não envenena.
Fiz Shakespeare escrever peça obscena.
Falei pra Ghandi: vai promover a sua paz.
Johanes Kepler era apenas um rapaz
Quando lhe dei as leis da Geometria.
Agora pergunto, e por favor você não ria:
O que é que me falta fazer mais?


E O QUE É QUE ME FALTA FAZER MAIS
SE O QUE FIZ ATÉ HOJE NINGUÉM FAZ?

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

"Ser ou não ser. Eis a questão".

Lembro que na tradução do livro quando li a história, a mais famosa frase de Shakespeare estava assim escrita: “Estar ou não estar. Eis a questão”. Encontrava-se ela, a frase, sublinhada por um risco de esferográfica vermelha feito por meu irmão mais velho, que lera o livro uma semana antes de mim. Questionei-lhe o motivo do destaque, e ele me disse que haviam errado na tradução. Bom, mas isso não vem ao caso, pois aqui se diz “ser ou não ser”.
Quantas dissertações poderiam ser escritas apenas sobre o conteúdo metafórico por trás dessa frase de apenas sete palavras? Quantas já não foram escritas?
O homem desde a escolha natural para ser o único animal pensante, vive o eterno paradoxo de ter que tomar as suas decisões escolhendo uma alternativa, em detrimento a outra, ou outras. É a luta da tomada de decisão presente em cada planejamento, ou escolha, quando esses terão que ser transformados em ação. Vivemos sempre sob a pressão das nossas preferências.
Biblicamente isso começou ainda com Adão. Ser fiel ao Deus que lhe criou, ou ser crente de que seria como o próprio Criador, conforme a serpente havia dito à sua adjutora?
E seguem as incertezas nas escolhas da alma, supostamente de lá para cá. Ser do bem, ou servir ao que chamam de mau? Ser corajoso, ou acovardar-se ante o perigo eminente? Ser educado, ou se fazer bruto? Ser honesto, ou participar dos acordos que facilitam a escalada social para um melhor status e posto? Quantas dúvidas pairam sobre as nossas cabeças quando temos que tomar alguma decisão!
Talvez o personagem estivesse em meio da sua mais cruel indagação e na procura pela resposta para agir sem nenhum contra-senso: Ser piedoso e perdoar o assassino, ou justiceiro e vingar a morte do pai? Não se nota a aflição em sua divagação? Eis a questão e o paradoxo do jovem Hamlet, em busca de sua asserção para fazer prevalecer a justiça do bem através do perdão tido como nobre, ou do mau pela vingança e que definharia, de certa forma, a sua virtude.
O autor põe nas palavras do personagem a monstruosa verdade que desnuda a alma humana em seus temores, e o faz pronunciar uma frase que pode representar, muito bem, toda a hesitação do gênero tido como inteligente.
Mas me questiono lendo a frase sobre o porquê alguém deve ser fiel aos dogmas arcaicos, alicerçados em verdades nunca comprovadas e leis que se mostram falíveis, quando o desejo de ser apenas o eu próprio de cada um quer prevalecer sobre o juízo delével e tido como o certo? Cimentado em qual fé, teria Shakespeare feito tal indagação através de Hamlet? Porque eu compreendo que as experiências do homem, em seu primeiro estado pós primitivo, acerca do que considerava como útil ou prejudicial, estava intrinsecamente ligadas à sua moralidade, ou seja, aos seus costumes (basicamente aos religiosos). Quero dizer, ao que ele acreditava ser santo, divino e inerente às deidades nas quais acreditava. Talvez repouse aí o porquê de tantas dúvidas, sobretudo no tocante as decisões que o homem deve tomar, pois creio que a moralidade em sua gênese embrutece, a priori. É como se o instinto, de vingança, por exemplo, tenha se tornado um sentimento complicado de falta de coragem, sob a ótica que os medos herdados da moralidade (leia-se costumes) fizeram estacionar sobre o homem de Shakespeare naquele instante. É como se esse fator inato do comportamento dos animais, sendo o homem apenas mais um na natureza, esteja sempre sendo julgado como bom ou má.
Algumas formas de pensar Deus acabaram fechando o que chamam de Livre Arbítrio em seu próprio favor. Como? Quando levam o homem a acreditar que a dúvida (ser ou não ser), faz nascer um pecado por si só. É como se o correto fosse lançarmos a fé sem o auxílio da razão, sem a intromissão do instinto, como se por uma intervenção do elemento que para elas, essas formas que pensam deus, é divino e extraordinário, tudo fosse resolvido ou dele nascesse todas as questões. Fomentam a falta de conhecimento e a embriaguez da fé para o alto, enquanto jogam a razão e a sabedoria num lamaçal tido como horripilante, degenerante do bem e onde não há perdão.
Não estou aqui fazendo apologia à vingança, apenas tentando mostrar meu ponto de vista para as constantes vezes em que nos deparamos com as contradições existentes em decisões, ou suas, às vezes, infinitas variantes.
A dúvida do personagem, assim como todas as nossas, parece cair no calabouço de mais uma dúvida: não sei exatamente o que faço agora. Não sei exatamente como devo fazer! Eis a questão. A quem deverei ser fiel?
Portanto, esse é o meu pensamento. Não sei se me fiz entender. Mas, para terminar, cito a famosa frase de Lutero: "este é meu conceito e outro não posso ter" (“Hier stehe ich, ich, kann nicht anders”).

Rudes Brasões

Do livro Timbre, que Virgílio Maia publicou no ano de 2002, pela Editora Giordano, de São Paulo, tiro o poema Rudes Brasões:

Meu avô imprimiu no couro vivo
de um boi brabo seu rústico brasão,
inflamada divisa do sertão,
que passou ao meu pai, qual aos meus tios.
A caatinga o forjou e deu brilho;
as veredas do tempo, as diferenças:
ao de um neto, um puxete e essa pequena
flor na ponta que de outros o separa
quando, aos berros do gado, se declaram
ferro e fogo das marcas avoengas.

Pois das eras salvou-se uma relíquia:
um chocalho amarelo e meio tosco,
que por anos batia no pescoço
de uma vaca de nome Colombina.
Hoje dobra, dorida, às tão tranqüilas
solidões da fazenda em que tocou.
No metal do seu corpo se engastou,
posta ali a punção, armorial,
uma marca indelével, o ancestral
e incendido brasão do meu avô.

ACM - O avô

Antônio Carlos Magalhães, o baiano, o avô, pode ter sido tudo na vida, até Toninho Malvadeza. Mas uma coisa ele não era: tolo. Tampouco imbecil.
Se eu o admiro? Ora, por sua inteligência, sim. E isso não quer dizer que eu concorde com as suas, digamos, falhas de caráter.
Algumas frases soltas dele:
- "Um homem não pode fazer-se sem sofrer, pois ao mesmo tempo é mármore e escultor."

- "A Presidência da República é destino. Você pode fazer a sua carreira política, a Presidência é destino."

- "Eu raramente digo palavrões e chego a corar quando mulheres os pronunciam em minha presença."

- "O governador que vigiar a família tem 80 por cento de chance de evitar a corrupção."
Verdades de ACM, odiado no Brasil e amado na Bahia. Fazer o quê, né?

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Êita, pau!

Quando os jovens Paulo e Márcia voltaram de sua lua de mel, foram morar num bairro da periferia de uma grande cidade. A casa, que fora presente do pai do noivo, se destacava pela beleza e tamanho entre as casas simples da vizinhança. Era uma casa nova e confortável, combinando com tudo que se encontrava dentro dela. Possuía vários compartimentos. Salas espaçosas e quatro quartos grandes, embora apenas duas pessoas fossem morar ali. A cozinha era ampla, talvez o maior compartimento da casa, e ficava na parte de trás do edifício. Daquele lugar dava para se ver a vila de casinhas, todas muito simples, que ficava por trás da rua onde o jovem casal foi morar.
Márcia servia o café da manhã ao marido, logo no segundo dia no novo lar, quando se deteve por alguns segundos e, parada, observava algo pela janela. O marido percebeu a distração da esposa e perguntou-lhe o que olhava.
- Vejo que há uma mulher estendendo alguns lençóis no varal – falou apontando a cena com a faca cheia de manteiga que iria no pão. - Mas como são sujos aqueles lençóis! Talvez ela não tenha sabão para lavá-los. Eu poderia dar algum pedaço para ela.
Paulo se pôs de pé, sem sair do lugar, e espiou lá fora. Viu que uma mulher estendia lençóis num varal, mas ficou calado.
Passados três dias a cena se repetiu. Márcia colocava a mesa para o café do marido, quando parou de repente e observou novamente a vizinha de trás, que estendia os lençóis como da vez anterior.
- Talvez ela não saiba lavar lençóis – falou sem esperar nenhum comentário do esposo. - Eu bem que poderia ensinar-lhe. Veja só que lençóis sujos!
Como Paulo saía religiosamente na mesma hora para o trabalho, o horário de acordar dos jovens era sempre o mesmo. E assim, a cada três dias, Paulo ouvia da esposa os mesmos comentários sobre a vizinha, que também era muito pontual na tarefa de lavar seus lençóis.
Certa vez, passadas algumas dezenas de dias, Paulo já estava sentado quando Márcia parou e olhou para fora. Eufórica chamou pela atenção do marido.
- Veja, Paulo. Que lençóis mais limpos! Aposto como uma outra vizinha deu-lhe um pedaço de sabão - falou pondo o leite na xícara do esposo. - Ou então, ensinou-lhe como se lava lençóis. Porque eu não fui!
Paulo ajeitou-se na cadeira, pôs os cotovelos sobre a mesa. Queixo apoiado nas duas mãos abertas para que os dedos abraçassem seu pescoço, falou para a jovem esposa:
- Não, minha querida. É que hoje levantei mais cedo e lavei as vidraças de nossas janelas.

Escrito em abril de 2003. Texto desenvolvido a partir de um e-mail com ilustrações, enviado por um amigo, no qual alertava contra vermos os defeitos dos outros através das nossas falhas.

domingo, 25 de janeiro de 2009

Talvez um texto sem muito sentido



Há muito o ser humano é desconfiado ou radicalmente contra, às vezes, qualquer tipo de mudança, seja de comportamento, seja de crença, seja política, seja ela de qualquer natureza. Há muito o mesmo ser humano espera por mudanças que tragam melhor desenvolvimento para os seus semelhantes, enfim, para ele próprio.
Há aqueles, entretanto, visionários, sonhadores, que dizem que os dias novos estão porvir, que a salvação cavalga cavalo alado e se apressa a descer de cima, rumo a essa terra de pecados e sonhos. Afinal, não há como sonhar sem que se peque, infelizmente. Mas convenhamos o mundo mudou e parou no tempo. Muda e pára todos os dias, várias vezes por dia, milhares e milhares por semana, milhões e bilhões de vezes a cada ano. Muda na mente de cada um, pára nas ações de cada ser. E o homem segue sua epopéia diária, minuto a minuto, sonhando, se esfacelando e sem poder reclamar que não tem chances de mudança, ou de crescimento. O medo inibiu o avanço do homem. Suas crenças, por vezes, aprisionaram-no. Ou melhor, o medo inibe as conquistas da humanidade.

A ciência quer o avanço das ideias, acelerar o pedal do desenvolvimento. Mas a religião puxa as rédeas do mulo do atraso, freia as mudanças.
Veja hoje mesmo, quantas bilhões de mudanças não ocorreram? Dizem que o cavaleiro e seu cavalo de asas está descendo, vem logo. Não vi em lugar algum a confirmação de tais eventos extraordinários. Os jornais continuam com as mesmas notícias de sempre sobre crimes, corrupção, conluios, guerras, terremotos, forças naturais agindo... A TV copia, a rádio anuncia. Mas... Elementos nocivos ao desenvolvimento da paz dirão que as novas, na verdade, são velhas. Velhos escritos em profecias sobre o tempo da grande e verdadeira mudança, oferecendo àqueles que acreditam em tais preceitos que serão como deuses, eternos e intocáveis pela ação do tempo.
No entanto, a vida continua igual, alguém sairá de casa amanhã, no primeiro dia da semana, possivelmente beijará sua esposa e a chamará de querida, cheio de esperança e será demitido assim que chegue ao emprego. Chorará e desejará matar o seu chefe? Outro aproveitará o fato de ser uma segunda-feira e abandonará a família, indo morar com uma mulher conhecida numa parada de ônibus, cheia de fumaça do churrasquinho montado ao lado. Desejará encontrar com a nova dama, a felicidade que há muito o deixou ao lado da outra? Quem sabe outro não ficará dormindo o dia todo, pois aproveitou o domingo para tomar todas? Desejará que a Terra pare, como cantou Raul Seixas.
A verdade é que não há dia, não há lugar para os demitidos, para os adúlteros, se sentirem tristes uns e libertos os outros. Quantos serão atropelados, quantos se tornarão homicidas, quantos morrerão, quantos serão punidos e quantos sequer serão descobertos? Os mais fracos dirão que tudo ocorre por uma vontade superior, esquecendo que há um livre arbítrio e que a sua vontade, se for livre, não poderá sempre ser a vontade de quem dizem ser o dono de todas as vontades. Outros protestarão e dirão, em sua defesa, que não se move uma folha sem consentimento de uma força. Assumem com certas declarações que são robôs humanóides, ou atores, manipulados pela vontade de algo. Se atores forem, quantos são os protagonistas?
De repente o que vale, a verdadeira mudança é você encorajar-se e lutar por aquilo que deseja, que sonhou há tempos idos, sem importar-se com o sentimento de ambição que alguém possa dizer que você possui. Ambição sem egoísmo não é pecado, é um simples sonho, um querer algo para você, sem necessariamente ter que tomá-lo de alguém.
Ah! Mas nessa sociedade ocidental, de tantos dogmas arcaicos enraizados nas estórias escritas há bem mais de oito mil anos, querer possuir, sonhar e conquistar é pecado. Porque, infelizmente nos ensinam que sonhar é pecado.

Alguém essa semana me disse que eu sou um pecador porquê não tenho o sonho dos visionários apocalípitcos.

Então, assim, descobri que não são todos os sonhos que são pecados. E que justamente aqueles que embrutecem certas almas, tornam suas vidas livres do julgo eterno.

sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

O meu país

No rastro da música O Meu País do grande Zé Ramalho, poeta e cantador nordestino da melhor qualidade; e também diante do que temos vivenciado na saúde potiguar (vocês entenderão o porquê), resolvi postar uma poesia que fiz num passado recente, cujo título e estilo tento copiar do inimitável Zé.

O meu país
Jesus de Miúdo.

Um país que só vive de novela
Prisioneiro da pior televisão
Um gigante que não tem educação
Quando aprende apenas por uma tela.
Que aumenta sua triste mazela
Vendo o ator ou até a linda atriz
Que aparece na cena tão feliz
E vendendo uma idéia de riqueza
Pode ser o país da boniteza
Mas não é com certeza o meu país.

Um país lá no mundo conhecido
Pelos pés que correm atrás da bola
Mas sem craque que freqüente a escola
Num exemplo fácil de ser seguido
Faz do jovem pobre e bem sofrido
Nas favelas ter sonhos infantis
Quer na bola ter nova diretriz
Nem percebe qu’é de areia esses castelos
Pode ser o país dos gols mais belos
Mas não é com certeza o meu país.

Um país que prega à mocidade
Que são grandes apenas os seus artistas
Desprezando seus sábios cientistas
Que lhe podem trazer prosperidade
Lhe servindo de exemplo e qualidade.
Um país que até hoje pouco quis
Curar esse mal e apagar a cicatriz
Traz seu povo, coitado iludido
Pode ser o país do excluído
Mas não é com certeza o meu país.

Um país que elege analfabeto
E aceita apologia à ignorância
Vai vivendo a grande discrepância
Da família ser apenas objeto
Que se vende por um vale abjeto
Uma ajuda que ao plano contradiz
De ser grande e ter a força motriz
Pra deixar de viver dessa esmola
Pode ser o país da bolsa escola
Mas não é com certeza o meu país.

Um país que abandona seus valores
Ensinando aos seus filhos outra cultura
Se entregando sem nenhuma compostura
Esquecendo os seus mais antigos amores
Desnudando seu folclore sem pudores
Transformando os seus jovens em imbecis
Que se perdem pela vida, sem raiz
Copiando o que o mundo tem de ruim
Pode até promover um Halloween
Mas não é com certeza o meu país.

Tô vendo tudo, tô vendo tudo
Mas, bico calado, faz de conta que sou mudo.

Aí, hoje criei esse aqui, que deixarei em separado dos demais acima:

Um país onde falta um simples leito
Pra o deitar de um cidadão doente
Na saúde o dirigente é bem demente
E o enfermo é tratado sem respeito.
Um país que parece não ter jeito
Onde a maca é para doze, assim se diz
Nos corredores, são mil vidas por um triz
Sem remédio que sare um arranhão
Pode ser o país de um Temporão
Mas não é com certeza o meu país

Tô vendo tudo, tô vendo tudo
Mas, bico calado, faz de conta que sou mudo.

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

De conversa no ônibus

Na linha 66, da Cidade da Esperança indo para Ponta Negra, ouvi um diálogo um tanto quanto interessante. Fui me sentar logo atrás de dois senhores, ambos aparentando meia idade.
O da minha direita levava na cabeça um boné daqueles de aposentado, que se achata na frente, preso por um botão, branco, mas encardido e bastante roto na parte de trás, trajava uma camiseta sem mangas, mostrando uma cor que há muito tempo atrás deve ter sido uma amarelo tipo losango da bandeira nacional.
O outro senhor, aparentando ser mais velho, tinha a cabeça totalmente careca, cheia de manchas sardentas, pele largando aqui e ali, como se tivesse tomado muito sol. Usava uma camiseta branca com o nome Bradesco pintado na frente e nas costas.
- Zé, eu tava pensando aqui, o brasileiro é um filha da puta mesmo, sabia?

Bom, o dever me chamou, conto outra hora. Fui!

Perguntar não adoece ninguém

Você teria coragem de inventar de adoecer na capital potiguar? Teria???!!!
É doido!

Hômi, por aqui tá mais difícil de se achar um médico, do que o Tesouro de Bresa.

Já estão até dizendo que a "professora" vai fazer curso de enfermagem.

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

Frase das frases

"O cabra pra ser doido em Caicó, tem que ter muito juízo!"

Ferrolho

domingo, 18 de janeiro de 2009

Enquanto isso, na sala do hospital maternidade

Amanhecendo o domingo e a cidade acorda com as novas herdadas das festas e embalos de sábado à noite, regadas a muita cachaça, cerveja e outras drogas mais pesadas. Pois é, minha gente, Acari está no mapa, basta usar a lupa que se enxerga o pontinho quase invisível. E, assim, os caras despacham por aqui também. Noite de sábado por essas bandas do Seridó, dizem, tem de tudo. Menos música de qualidade. O de tudo eu não sei, já da música é a mais pura realidade.
As mulheres beatas seguem para a igrejinha matriz e vão sabendo por aquelas mulheres menos praticantes, vassouras na mão, calçadas limpinhas, das novas notícias da cidade. Novas herdadas, como eu já falei, dos embalos de sábado à noite.
Souberam que a mulher de Fulano de Tal, irmão de Cicrano e primo de Beltrano, virou a mesa com tudo que tinha em cima, na roupa da sirigaita avoada que estava com ele, lá na seresta do bar de seu Euzébi (quase ninguém diz o nome dele completo). Não tem mulher, beata ou não praticante, que não vibre com uma estória dessas. Bem feito, dizem todas. Quem mandou ser enxerida? Pergunta complementar.
Bom, outra dá conta que o filho de seu Zé Num Sei o Quê Lá, e de dona Maria Num Sei de Quê Lá (se são casados tinham que ter o mesmo sobrenome, né?), tomou uma cachaça tão grande que aterrisou entre a parede do Cemitério e o muro da antiga TELERN. Não se sabe quem, mas alguém se aproveitou do pobre diabo, que tendo acordado com as calças arriadas, todo ardido, além de todo obrado - como dizem por aqui -teve que ir ao hospital costurar o que lhe rasgaram. Ô desgosto e vergonha danada! Ninguém sabe se debaixo ainda do efeito do álcool, ou sob a quentura que a anestesia exercia sobre as pregas rasgadas do fresado em reconstrução, disse que nunca mais bebe na vida. Agora é saber se chorou em algum momento. Se chorou, ainda bebe. Pois dizem que quem chora bêbado não abandona nunca mais o vício. Também ninguém sabe se gostou, uma vez que parece nem ter sentido. Mas se sentiu e permitiu, é porque gostou e está só fazendo charme. Êita, situação danada!
A sabedoria popular já diz e o poeta, com nome de salvador crucificado, usou no mote para fazer o versinho sacana com o filho de seu Zé Num Sei o Quê Lá, e de dona Maria Num Sei de Quê Lá, único filho homem do casal.

PEGARAM O POBRE PRA CÃO
DEPOIS DELE EMBRIAGADO
FIZERAM DELE VIADO
ACHO QU’ ELE TOMOU A LIÇÃO
POIS ACORDOU DE ROUPA NA MÃO
TODO CAGADO, SENTADO NO TRONO
E NO MAIS COMPLETO ABANDONO
COM AS PARTES DE BAIXO ARDENDO
QUE TODOS FIQUEM SABENDO
CÚ DE BEBO NÃO TEM DONO.

"Covardia da pôrra", diria meu amigo Rodrigo GDC. Não sei se diria do ato, ou do versinho.

... de um povo masoquista.

Às vezes me arrisco nessa coisa de poesia, mas não gosto de publicar esse tipo de trabalho por achar que o poeta retira toda a sua carne e se mostra, não nu, apenas em espírito e alma. Muitas vezes fui mal interpretado quando mostrei algumas letras juntas em poema.
E nesse caminho que pouco me arrisco em seguir, mas quando resolvo ir, entrego-me em caminhar com obstinação, já fui até declamado por Adélia Maria Woelner (quer saber quem é ela? Consulte o Google) e só depois de muito tempo fiquei sabendo que fui foco de tão grande honra. E como se as minhas letras recebendo a atenção de uma Adélia Woelner já não bastasse, ainda foram elogiadas!
Para que uma possível curiosidade sobre a coisa seja logo respondida e anulada, vou contar essa história no www.acaridomeuamor.nafoto.net qualquer dia desses. Mas Heraldo Palmeira conhece ela, a história, bem direitinho. Afinal foi ele quem descobriu tudo. Uma coincidência fascinante.
Bom, mas vou quebrar um pouco a vergonha, de mostrar essas minhas composições, e deixar aqui aquela que Adélia Maria recitou. Está abaixo, em azul para melhor destaque:

... de um povo masoquista.
(Balada de Um Soberano Sádico)

Sonhei que estava em terras estranhas
Onde ninguém para mim, era um conhecido
E se eu quisesse passear por lá, desapercebido
Bastava-me andar livre por suas entranhas.
Nesse meu sonho fui de encontro às pessoas
Cujo infortúnio se via em seus lúgubres aspectos
Eram como se fossem, não homens, apenas espectros
Mesmo tendo em suas faces, expressões mui boas.
A subserviência ali se tinha por herança
E a penúria, há muito tempo era sua riqueza
Enquanto apenas ele, se dizia na pseudo presteza
De servir-lhes sempre, exigindo confiança.
Um povo bruto, tolo, doente e aprisionado
Obrigado a sorrir como se tudo fosse bem
Sendo escravo sem saber sequer de quem
E de ser grato, mesmo quando humilhado.
Por fora limpos, por dentro sujos e maltrapilhos
Encurvados à força por tamanhas opressões
Proibidos a dar falas às mais simples emoções
Sem futuro pra si, tampouco para os seus filhos.
E nesse sonho eu andava por labirintos... ruas,
E via a moral sobre arrimos de excremento
Um povo preso até no pensamento
Cabeças néscias, e barrigas nuas.
Apiedando-me, não me contendo, gritei
À massa pobre, ali tão pressionada
Mas em resposta vi a sua fugaz retirada
Corriam loucos, como jamais pensei.
Apenas um ficou, fitando-me com tenacidade
A mim, exortando a que eu fosse embora
Não insurgiriam contra ele, nunca! Nem naquela hora
Afinal haviam esquecido o que era liberdade.
Foi-se, juntando aos outros em procissão
Em cujo andor, ele ia adornado
Aquele povo por anos subjugado
Não se lembrava, alegre e rindo, da sua escravidão.
E como um trovão, que ao raio encerra
Olhei de novo e minhas idéias, logo, se clarearam
E dos meus olhos quatro lágrimas rolaram
Pois reconheci ali a minha própria terra.

Escrevi isso numa tarde quente de agosto de 2004. Lembro como se tivesse acabado de escrever, ou se ainda estivesse criando, como as letras íam saltando de minha mente para o teclado do computador.

PS.: Qualquer falta de tempo, acessem http://www.protexto.com.br/autor.php?cod_autor=35

E já dizia Tostoi:

"Só seremos universais se conhecermos e amarmos nossa aldeia."

Esse também sabia das coisas.

Já cantava o poeta Geraldo Amâncio

O mundo se encontra bastante avançado
A ciência alcança progressos em soma.
Na grande pesquisa que fez o genoma,
Todo o corpo humano já foi mapeado.
No mapeamento foi tudo contado:
Oitenta mil genes se pode contar.
A ciência faz chover e faz molhar,
Faz clone de ovelha, faz cópia completa
Duvido a ciência fazer um poeta
Cantando galope na beira do mar.

E já dizia um tal de Albert Einstein:
"A ciência sem a religião é paralítica; a religião sem a ciência é cega."

Ô povo pra dizer coisa certa...

O Tesouro de Bresa

Foi do livro Contos e lendas orientais, escrito pelo paraense Júlio Cesar de Mello e Souza, que assinava as seus trabalhos literários como Malba Tahan, autor d'O Homem que calculava, sua obra mais famosa entre outras magníficas criações, e de quem sou fã inconste com vários livros em minha humilde estante, que li ainda muito jovem a estória do Tesouro de Bresa. Naquele momento de minha vida eu não soube decifrar o valioso tesouro que havia inserido no cerne da narrativa.
Ontem à noite em bate papo virtual com Doutor Luciano Mello, ele me disse que enviaria para mim, naquele mesmo instante, um e-mail sabendo que eu iria gostar. Depois de tantos anos, nem sei quantos, reli a mesma estória, narrada numa apresentação de PPS de forma bem resumida, mas que enfatizava com mais determinação a importância da busca por conhecimentos, aconselhando de forma sábia - como não poderia deixar de ser.
Eis a história, para leitura, em letras azuis para melhor destaque:
O Alfaiate e o Tesouro de Bresa

Conta-se que houve, outrora, na Babilônia - a famosa cidade dos Jardins Suspensos - um pobre e modesto Alfaiate, chamado Enedim. Homem inteligente e trabalhador, que, por suas boas qualidades e amor no coração, era muito querido no bairro em que morava. Enedim passava o dia inteiro, de manhã à noite, cortando, costurando e preparando as roupas de seus numerosos fregueses, e, embora, muito pobre, não perdia a esperança de vir a ser muito rico, senhor de muitos Palácios e grandes tesouros.
Como conquistar, porém, essa tão ambicionada riqueza? - pensava o mísero alfaiate, passando e repassando a agulha grossa de seu ofício - Como descobrir um desses famosos tesouros que se acham escondidos na terra ou perdidos nas profundezas do mar? Ouvira contar, em palestra com estrangeiros vindos do Egito, da Síria e da Grécia, histórias prodigiosas de aventureiros que haviam topado com cavernas imensas, cheias de ouro... Grutas profundas crivadas de brilhantes... Caixas pesadíssimas a transbordar de pérolas. E não poderia ele, à semelhança desses aventureiros felizes, descobrir um tesouro fabuloso e tornar-se, assim, de um momento para o outro, o homem mais rico daquelas terras? Ah! Se tal coisa acontecesse, ele seria, então, senhor de um imenso e magnífico palácio... Teria numerosos escravos e, todas as tardes, num grande carro de ouro, tirado por mansos leões, passearia, de seu vagar, sobre as muralhas da Babilônia, cortejando amistosamente os Príncipes ilustres da casa Real.
Assim meditava o bondoso Enedim, divagando por tão longínquas riquezas, quando lhe parou à porta da casa um velho mercador da Grécia, que vendia tapetes, imagens, pedras coloridas e uma infinidade de outros objetos extravagantes tão apreciados pelos Babilônios. Por mera curiosidade, começou Enedim a examinar as bugigangas que o vendedor lhe oferecia, quando descobriu, entre elas, uma espécie de livro de muitas folhas, onde se viam caracteres estranhos e desconhecidos. Era uma preciosidade aquele livro, afirmava o mercador, passando as mãos ásperas pelas barbas que lhe caiam sobre o peito, e custava apenas três dinares. Três dinares. Era muito dinheiro para o pobre alfaiate. Para possuir um objeto tão curioso e raro, Enedim seria capaz de gastar até os dois últimos dinares que possuía.
- Está bem - concordou o mercador - fica-lhe o livro por dois dinares, mas esteja certo de que lhe foi de graça!
Afastou-se o vendedor e Enedim tratou, sem demora, de examinar cuidadosamente a preciosidade que havia adquirido. Qual não foi a sua surpresa quando conseguiu decifrar, na primeira página, a seguinte legenda, escrita em complicados caracteres caldaicos: "O segredo do tesouro de Bresa". Por Deus! Aquele livro maravilhoso, cheio de mistério, ensinava, com certeza, onde se encontrava algum tesouro fabuloso! O TESOURO DE BRESA! Mas, que tesouro seria esse? Enedim recordava-se vagamente, de já ter ouvido qualquer referência a ele. Mas quando? Onde? E com o coração a bater descompassadamente, decifrou ainda: "O tesouro de Bresa, enterrado pelo gênio do mesmo nome entre as montanhas do Harbatol, foi ali esquecido, e ali se acha ainda, até que algum homem esforçado venha a encontrá-lo".
Harbatol? Que montanhas seriam essas que encerravam todo o ouro fabuloso de um gênio? E o esforçado alfaiate, dispôs-se a decifrar todas as páginas daquele livro, e ver se atinava, custasse o que custasse, com o segredo de Bresa, para apoderar-se do tesouro imenso que o capricho de seu possuidor fizera enterrar nalguma gruta perdida entre as montanhas. As primeiras páginas eram escritas em caracteres de vários povos. Enedim foi obrigado a estudar os hieróglifos egípcios, a língua dos gregos, os dialetos persas, o complicado idioma dos judeus.
Ao fim de três anos, deixava Enedim a antiga profissão de alfaiate, e passava a ser o intérprete do Rei, pois na cidade não havia quem soubesse tantos idiomas estrangeiros. O cargo de intérprete do Rei era bem rendoso. Ganhava Enedim, cem dinares por dia; ademais morava numa grande casa, tinha muitos criados e todos os nobres da corte o saudavam respeitosamente.
Não desistiu, porém, o esforçado Enedim, de descobrir o grande mistério de Bresa. Continuando a ler o livro encantado, encontrou várias páginas cheias de cálculos, números e figuras. E, a fim de ir compreendendo o que lia, foi obrigado a estudar Matemática com calculistas da cidade, tornando-se, ao cabo de pouco tempo, grande conhecedor das complicadas transformações aritméticas. Graças a esses novos conhecimentos adquiridos, pode Enedim calcular, desenhar e construir uma grande ponte sobre o Eufrates; esse trabalho agradou tanto ao Rei, que o monarca resolveu nomear Enedim para exercer o cargo de Prefeito. O amigo e humilde alfaiate passava, assim, a ser um dos homens mais notáveis da cidade. Ativo e sempre empenhado em desvendar o segredo do tal livro, foi compelido a estudar profundamente as leis, os princípios religiosos de seu país e os do povo caldeu; com o auxilio desses novos conhecimentos, conseguiu Enedim dirimir uma velha pendência entre os doutores.
- É um grande homem o Enedim! - declarou o Rei quando soube do fato - Vou nomeá-lo Primeiro Ministro. E assim fez. Foi o nosso esforçado herói, ocupar o elevado cargo de Primeiro Ministro.
Vivia, então, num suntuoso palácio, perto do jardim Real, tinha muitos criados e recebia visitas dos príncipes mais poderosos do mundo. Graças ao trabalho e ao grande saber de Enedim, o reino progrediu rapidamente e a cidade ficou repleta de estrangeiros; ergueram-se grandes palácios, várias estradas se construíram para ligar Babilônia às cidades vizinhas. Enedim era o homem mais notável do seu tempo. Ganhava diariamente mais de mil moedas de ouro, e tinha em seu palácio de mármore e pedrarias, caixas cheias de jóias riquíssimas, e de pérolas de valor incalculável. Mas - coisa interessante! - Enedim não conhecia ainda o segredo do livro de Bresa, embora lhe tivesse lido e relido todas as páginas! Como poderia penetrar naquele mistério?
E um dia, cavaqueando com um venerando sacerdote, teve a ocasião de referir-se à incógnita que o atormentava. Riu-se o bom religioso, ao ouvir a ingênua confissão do grande vizir, e, afeito a decifrar os maiores enigmas da vida, assim falou:
- "O tesouro de Bresa já está em vosso poder, meu senhor. Graças ao livro misterioso é que adquiristes um grande saber, e esse saber vos proporcionou os invejáveis bens que já possuis". Bresa significa "saber". Harbatol quer dizer "trabalho". Com estudo e trabalho pode o homem conquistar tesouros maiores do que os que se ocultam no seio da terra ou sob os abismos do mar!
Tinha razão o esclarecido sacerdote. Bresa, o gênio, guarda realmente um tesouro valiosíssimo, que qualquer pessoa, esforçada e inteligente pode conseguir; essa riqueza prodigiosa não se acha, porém perdida no seio da terra nem nas profundezas dos mares. Encontra-la-eis, sim, nos bons livros, nos estudos, na dedicação ao trabalho, que proporcionando saber às pessoas, abrem, para aqueles que se dedicam, as portas maravilhosas de mil tesouros encantados!
Infelizmente não tenho mais o livro. Perdeu-se emprestado a alguém que, julgando-se mais inteligente que eu, apropriou-se do meu exemplar levando junto O Homem que calculava. Mas assim que as finanças se organizarem, vou me presentear com ambos novamente e acrescentar outros títulos que ainda me faltam.
Sugiro a leitura de Malba Tahan para todos! Um contador de causos sem igual, trazendo para a cultura ocidental os mais belos aspectos da cultura árabe, desmistificando a hiprocrisia moderna que tenta nos convencer que naquela parte do oriente só existe anseio por guerra, rios de sangue e barbaridades.
A cultura árabe é linda e traz aspectos interessantes em seu cultivo de passar ensinamentos através de parábolas. Coisa que até o outro Jesus, aquele que foi Cristo, explorava tão bem. Nera não? E ele não era de lá, não? Era!

sábado, 17 de janeiro de 2009

Aprendendo sobre o jumento

Rapaz, creio que as escolas poderíam trocar certas matérias, por algumas que ensinassem coisas mais interessantes. Por exemplo, não me lembro de ter aprendido nada sobre o jumento, em nenhuma escola por onde passei, nem na faculdade. Parece até piada o cabra querer aprender na escola sobre jumento. Mas é um animal tão formidável, não?
Hoje, depois de ter postado as primeiras letras do meu As memórias do Jumento Solteiro, resolvi voltar a um estudo que fiz, antes de começar a traçar a origem do meu personagem saudosista. E, como esse espaço também não tem nenhum compromisso de ter serventia alguma, leiam se quiser, resolvi postar aqui algumas coisas descobertas, curiosidade pura!
Por exemplo, o Dicionário Aurélio diz assim de "jumento":
[Do lat. jumentu.]S. m. 1. Zool. Animal mamífero perissodáctilo (Equus asinus), facilmente domesticável, muito difundido no mundo, e utilizado desde tempos imemoriais como animal de tração e carga. É ungulado e tem pêlo duro, de coloração extremamente variada, indo do castanho-fulvo ao cinza-escuro. [Sin. pop.: asno, burro, burrico, jerico (q. v.) e (bras.) jegue.] 2. V. burro (8).
Do terceiro significado em diante o dicionário vem com aquela onda que a palavra retrata o indivíduo muito bruto, muito grosseiro, tipo acavalado, ou ainda o indivíduo de grande potência sexual. Mas o doutor Aurélio deixou dito que isso era no tal figurativo.
Eu fico puto da vida quando usam o figurativo para denegrir a imagem do jumento. Nunca vi um jumento bruto, ser grosseiro com ninguém, desinteligente, ou ter de fato o que o nome jumento passou a significar em certos casos. Pelo menos os jumentos que eu conheci até hoje são altamente inteligentes! Pergunte aos seus donos.
Bom, tudo nasce com o asno (Equus asinus), que também é chamado de burro, jumento, ou jegue. Portanto, o asno é um mamífero perissodátilo* de tamanho médio, focinho e orelhas compridas, utilizado desde tempos pré-históricos como animal de carga. Ajudou a construir das Pirâmides do Egito, passando por outras tantas maravilhas, até a Delegacia de Polícia de Acari, quando Bombom e seus jumentos botavam a areia da obra.
Sua origem está ligada a Abissínia**, onde era conhecido como onagro ou burro selvagem.
Também há séculos o cruzamento entre burro e cavalo é feito, do qual resulta um híbrido denominado muar ou mu, com características de ambas as raças: robustez, capacidade de adaptação a caminhos acidentados e a meio ambiente adverso, docilidade; pernas mais longas e, portanto, maior velocidade, maior facilidade de treino. Tais afirmativas só me deixa mais crente no impropério que cometem dando outros significados figurativos à palavra jumento.
O macho, ou mulo, é o indivíduo do sexo masculino resultante do cruzamento de um burro com uma égua, (Equus caballus). Já o animal fêmea resultante do mesmo cruzamento é chamado mula. Entretanto, o cruzamento das mesmas espécies, porém invertidos os sexos (portanto cavalo e jumenta), dá origem a um animal diferente, o bardoto (mais difícil de criar, pois possui a desvantagem de ser menor e de herdar o temperamento birrento da mãe). Estes híbridos são quase sempre estéreis devido ao fato do cavalo possuir 64 cromossomos, enquanto que o jumento possui 62, resultando em 63 cromossomos. São raros os casos em que uma mula tenha parido, com efeito, desde 1527, data em que os casos começaram a ser arquivados, apenas 60 casos foram registrados.
Desde os tempos remotos, o jumento também é simultaneamente utilizado no meio rural para auxiliar nas tarefas agrícolas e para transporte. Foi servindo de transporte, aliás, que dizem ter levado Jesus Cristo em duas passagens bíblicas.
O nome burro veio do latim burrus, que quer dizer vermelho. Ou seja, nada tem a ver com falta de inteligência. E se o latim, diz, tá dito! Mas, como tudo que é bom tem a merda de um mas para atrapalhar, acredita-se que foi justamente daí que surgiu a crença de que os burros são pouco inteligentes, pois, antigamente, os dicionários tinham capas vermelhas, dando a ideia de que os burros eram sedentos de saber. Outra história diz que numa moeda antiga tinha a imagem de um rei com uma cabeça enorme que não era esperto, que se associou com a cabeça resistente do burro. Porém, também pode ter surgido da lenda grega do Rei Midas, que foi tolo ao ponto de contradizer a irrevogável palavra do deus Apolo, sendo castigado depois, recebendo orelhas de burro do dito deus (deus com "d" minúsculo, já diz tudo). Aí, eu começo a acreditar que Apolo não sabia nada sobre os burros, ou era apaixonado por um.
Já o nome jegue veio do inglês Jackass, burro. Jackass foi formado de duas palavras: jack - aqui servindo apenas para indicar o sexo masculino do animal (Jack é apelido de John e serve para designar um homem qualquer); e por ass, burro (Fonte: "A Casa da Mãe Joana" de Reinaldo Pimenta, editora Campus).
Ofensa
Em Portugal, tal como no Brasil, chamar alguém de burro é uma ofensa. Um indivíduo burro é um indivíduo pouco inteligente, estúpido, teimoso, ignorante, com pouco entendimento, sem conhecimento geral, sem criatividade... Imagino se os jumentos pudessem falar a revolta que já não teria existido, por essa inversão de valores.
* Ordem de animais mamíferos, geralmente de grande porte; têm membros alongados, dedos em número ímpar, cada um revestido de um casco córneo, e estômago simples.
** atual Etiópia (África).

Jumento Solteiro

Quanto mais chovia, mais o tempo se fechava e a noite, escura feito breu derretido, seguia intranquila. Dentro da enorme casa de alvenaria, feita em grossas paredes de tijolos duplos, uma movimentação enorme se fazia notar. De vez em quando a luz de um raio iluminava mais o interior da habitação e fazia pequenos os fachos de luz emitidos por velas e candeeiros. A única janela aberta dava para o alpendre da frente da casa, que por ser virada para o sudeste, acabava impedindo que os pingos entrassem e molhassem o interior do edifício. Depois um som ensurdecedor fazia tremer e tilintar os cristais dentro de um grande móvel na sala.
Num dos quartos uma mulher gritava com dores de parto. Seu marido mandava-lhe calar a boca e botar a criança para fora logo. A parteira, desesperada pela dificuldade do parto, dividia-se entre a operação e impropérios jogados contra o homem.
- Ora! Cala a boca tu também, Chica da Luz. Tu num vê que tudo isso é manha dessa desafortunada?
A parteira velha, perdida nas contas de quantas crianças assistira nascer, abriu a boca sem dentes como que não acreditando no que ouvia, levantou se pondo de pé. O coronel pôde enxergar de perto como seu rosto era enrugado. Viu que a velha estava nervosa e, temendo a expressão da velha parteira, a quem diziam feiticeira, deu um passo para trás.
- Coroné, ou o inhô cala essa sua boca, ou eu mesma calo, lhe intupindo com esse pano aqui, ó! – e mostrou levantando ao alto o pedaço de tecido que usava para enxugar o suor da mulher que estava parindo.
Aos poucos a parturiente ia perdendo as forças. Já não gritava mais. A parteira levantou-se e chamou o marido para uma conversa.
- Coroné, num posso mais fazê nada. Aja logo, hômi de Deus! Invés de ficar aí feito tonto, manda Zé Buchada ir na rua, prumode trazê Dr. Lupinha.
- Ora, Chica! Então encomendemos logo o caixão. Se tu num pode, imagine aquele bebum!
Mesmo assim o homem foi até a porta da casa e abriu a parte de cima. Gritou por um nome diversas vezes. Então, entrou em casa e pegou uma espingarda, foi até o final do alpendre e deu um tiro. Logo se viu de frente a outro homem completamente molhado.
- Zé, pegue o Jeep, corra na rua e traga Dr. Lupinha aqui. Rápido, fio de uma égua – bradou com o empregado, empurrando-o pelas costas molhadas.
No curral feito de pedras sobre outras pedras, na lateral da casa, lutava para nascer também um filhote de jumenta.


Esse pedaço de texto acima, em azul para melhor destaque, faz parte de um projeto meu, cujo título é: As memórias do Jumento Solteiro. Coisa que nasceu desse meu quengo ávido por estórias engraçadas dos matutos que conheço, ou daqueles de quem só ouvi falar. Uma ficção para variar, em homenagem, também, ao jumento. Afinal, segundo alguns, aliás, segundo o Velho Lula, cabra que geralmente tinha razão, o jumento é nosso irmão.

O Jumento é nosso Irmão

autores: Luíz Gonzaga e José Clementino

É verdade, meu senhor
Essa estória do sertão
Padre Vieira falou
Que o jumento é nosso irmão

A vida desse animal
Padre Vieira escreveu
Mas na pia batismal
Ninguém sabe o nome seu
Bagre, , Rodó ou Jegue
Baba, Ureche ou Oropeu
Andaluz ou Marca-hora
Breguedé ou Azulão
Alicate de Embau
Inspetor de Quarteirão

Tudo isso, minha gente
É o jumento, nosso irmão

Até pr'anunciar a hora
Seu relincho tem valor
Sertanejo fica alerta
O dandão nuca falhou
Levanta com hora e vamo
O jumento já rinchou
Bom, bom, bom

Ele tem tantas virtudes
Ninguém pode carcular
Conduzindo um ceguinho
Porta em porta a mendigar
O pobre vê, no jubaio
Um irmão pra lhe ajudar
Bom, bom, bom

E na fuga para o Egito
Quando o julgo anunciou
O jegue foi o transporte
Que levou nosso Senhor
Vosmicê fique sabendo
Que o jumento tem valor

Agora, meu patriota
Em nome do meu sertão
Acompanhe o seu vigário
Nessa terna gratidão
Receba nossa homenagem
Ao jumento, nosso irmão
.